Blocklist: o futuro não tem espaço para preconceitos

É preciso responsabilidade da Comunicação para tornar o mercado de trabalho mais inclusivo e diverso

Em 2024, pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra foi marcado como feriado nacional. Criada para relembrar a morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola símbolo da resistência à escravidão e do enfrentamento ao racismo no Brasil, a lei aprovada no Senado reforça uma temática que já deveria ser natural, mas ainda aponta um longo caminho: o combate ao preconceito e o incentivo à diversidade e inclusão. 

Na contramão de grandes empresas internacionais, como Meta, a vice-presidente institucional da agência Bistrô, Fernanda Aldabe, acredita que o mercado da Comunicação tem parcela significativa de responsabilidade na construção de uma sociedade que não aceita discriminação e promove mudanças reais. "Pesquisamos, analisamos, estudamos e lançamos tendências. Como não sermos progressistas? Sinto que o mundo deu uma guinada para trás nesse assunto e nosso papel é fundamental para reacender a evolução", defende. 

Uma pesquisa da consultoria de recursos humanos Michael Page, divulgada em fevereiro de 2025, aponta que quatro em cada 10 empresas concentram seus esforços de diversidade, equidade e inclusão em campanhas de comunicação e políticas de contratações representativas. No entanto, faz-se necessário refletir sobre o aculturamento dos negócios para além do card de redes sociais comemorando datas de grupos minorizados ou do preenchimento de vagas para cumprir cotas legais. 

Criado em 2017 pela Aegea, que comprou a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), o programa Respeito Dá o Tom (RDT) surgiu para estimular e fortalecer as brasilidades, sobretudo nos aspectos raciais e de diversidade. No Rio Grande do Sul, um comitê atua desde setembro do ano passado, contribuindo para o alcance do objetivo da empresa de capacitar pessoas pretas e pardas, e mulheres para ocuparem posições estratégicas da Companhia. "Na prática, nosso compromisso é aumentar a atuação feminina em cargos liderança de 32% para 45% e de pessoas negras e pardas de 17% para 27%, até 2030, incluindo todas as unidades do grupo Aegea", explica Octavio Lopes Cunha, analista de Recursos Humanos da Corsan, responsável pelo RDT. 

Dia a dia

Há desafios, é um fato. Porém, buscar o que é possível no presente instiga o pensamento para longo prazo. Em algum momento da vida, a maioria de nós já repetiu uma expressão ou ditado, passado de geração em geração, mesmo sem entender o total sentido de cada palavra. É o famoso efeito manada, tendência onde os indivíduos adotam comportamentos ou tomam decisões simplesmente porque outras pessoas ao seu redor o fazem, sem uma análise aprofundada da ação. 

Blacklist, denegrir, feito nas coxas, retardado, mal-amada, virar gay, velho para isso, exemplo de superação. O que muitos não param para pensar é que, por trás de cada uma dessas letras, há pessoas cuja existência é diminuída e ofendida sob a desculpa de "todo mundo fala assim". E se nascemos sem saber falar, andar, comer, sentar e, ao longo da vida, aprendemos, também somos capazes de aprender a mudar. 

Blocklist (lista bloqueada, em tradução livre), substitui o termo blacklist (lista negra, em tradução livre), sem atribuir a cor preta um tom negativo. Feito nas coxas, expressão popularizada a partir da época da escravidão no Brasil, onde as telhas de argilas eram moldadas nas coxas dos escravizados, é usada para referir-se a algo malfeito. Então por que simplesmente não dizer "tal trabalho está mal feito" ou "essa tarefa foi feita sem dedicação"? Vasta, a língua portuguesa, oferece incontáveis variações para tratar a linguagem como acolhedora e não exclusiva.

As sócias da agência de casting Persone Eventos, Priscila Rodrigues e Ivana Reis, já percebem avanços nesse quesito - impulsionados, aliás, pelos jovens das gerações Z e Alfa que estão ingressando no mercado de trabalho e confrontando falas e posturas preconceituosas - mas entendem que para chegar ao ideal ainda existem batalhas a serem vencidas. 

"Gostaríamos que não, mas o óbvio precisa ser dito", pontua Ivana, complementada por Priscila: "nosso sonho é não termos mais que falar sobre perfil para um cliente na hora de escolher profissionais para trabalhar em seus eventos, e sim em pessoas. Apresentar os currículos e pronto, montar a equipe sem precisar usar o termo 'casting diverso'. O mercado precisa se abrir ao entendimento de que as qualidades e a competência de alguém não encontram-se no físico". 

Mesmo com o aumento das discussões sobre diversidade, equidade e inclusão (DEI) nos últimos anos, a publicidade brasileira continua predominantemente branca. Os dados são do Boletim de Raça e Gênero, do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), que revela um universo de 83% de rostos e corpos brancos nos anúncios veiculados entre 2018 e 2023. 

Nada sobre nós sem nós

Em resposta a uma decisão unilateral do governo racista da África do Sul no ano de 1986, o líder do movimento de pessoas com deficiência do país, Phindi Mavuso, marchou com mais de 1,2 mil pessoas até a colina de Soweto e entoou o vocábulo "nada sobre nós sem nós". A frase tornou-se lema da comunidade PCD em todo o globo e coloca, ainda hoje, jornalistas, publicitários, relações-públicas, marketeiros e toda a corrente de Comunicação a provocar reflexões e sugerir novas atitudes quanto ao trato com esse grupo. 

Por meio de sua experiência como responsável pelo programa de PCDs da Corsan, o coordenador de Recursos Humanos, Rafael Melo de Lima, acredita que uma das formas mais eficazes de captar, capacitar e reter talentos de grupos diversos é fazer as pessoas se enxergarem umas nas outras. "Uma ferramenta poderosa para promoção da inclusão é a educação. É fundamental reforçar nossa cultura com letramento e conexões genuínas", pondera. "É papel de cada um tornar a diversidade uma pauta recorrente, isso desmistifica tabus e transforma a inclusão em ação real ", acrescenta.

Uma tendência a partir de estudos sobre leitura crítica, revisão e copidesque é a da prática da "leitura sensível", que permite um olhar mais amplo sobre os conteúdos produzidos. A função é responsável por avaliar o texto sob a ótica da representatividade, inclusão e possíveis abordagens problemáticas. Identificando estereótipos e preconceitos, reduz as chances de reportagens, campanhas publicitárias e até materiais de comunicação interna serem disseminadas ofendendo ou excluindo algum grupo de pessoas.

Comprovando que faz e não apenas fala sobre inclusão e diversidade, em 2025, a agência Bistrô ficou em primeiro lugar na categoria LGBTQIAP+ do ranking Great Place to Work - premiação que avalia e reconhece empresas com ótimos ambientes de trabalho, focando em cultura de confiança, alto desempenho e inovação. Para melhorar, também conquistou a terceira posição na categoria etnicoracial. 

Realizada em 2024 pela Kantar, líder mundial em dados, insights e consultoria, uma pesquisa mostra que 86% dos compradores brasileiros preferem produtos de marcas que valorizam a diversidade. Na Bistrô, a mais recente ação é a campanha 'Museu do Orgulho', criada a partir de uma inquietação com o avanço de discursos conservadores e o desmonte de departamentos dedicados ao tema. Com estética futurista e tom distópico, imagina um cenário onde objetos de campanhas LGBTQIAP+, como bandeiras e camisetas, viram relíquias expostas em vitrines. 

A empresa também é responsável pela criação do 'Guia para uma publicidade diversensível - respeitando os direitos humanos', que aborda novas linguagens e comportamentos para agências. "É uma espécie de roteiro de aculturamento para que os profissionais e marcas não cometam mais gafes e, principalmente, crimes, porque é preciso lembrar que racismo, homofobia, etarismo e outros preconceitos são crimes", enfatiza Fernanda. 

Liderança pelo exemplo

Clichê verdadeiro, quando a liderança não adota a postura que prega, os liderados não sabem o que seguir. Sob o slogan 'Pessoas, pluralidade, personalizado. Cada pessoa é única. Cada marca também', a Persone se posiciona como uma agência focada em inclusão e diversidade. A comunicação contínua e a postura das sócias em não permitir preconceitos nos trabalhos que entrega, na visão delas mesmas, já diminui a resistência das marcas que as contratam na sugestão de castings que garantam diversidade. 

"É uma construção do dia a dia, é insistir, falar sobre. E quando não conseguimos o melhor resultado esperado, provocamos o cliente no evento, reforçamos a importância de testar", sustenta Priscila. Para oferecer o diferencial, as profissionais foram em busca de especialização em inclusão e, a partir disso, constroem eventos cuidando dos mínimos detalhes, como acessibilidade. Quem entra na agência como promotor também recebe um e-book com orientações de comportamento e linguagem para um ambiente saudável e respeito de trabalho. 

"Os grupos precisam ser vistos e incluídos no processo de construção e decisão. Ainda falta um pouco de naturalidade nas contratações, de escolher um colaborador por suas características profissionais e não para preencher uma cota ou cumprir uma lei", reflete Ivana. "Operamos de modo que promotores e clientes entendam que a Persone não é apenas uma agência para montar castings para atender eventos. Temos orientação, consultoria e cuidado para que ninguém se sinta não pertencente".

De acordo com a consultoria empresarial McKinsey & Company, empresas que levantam a bandeira da diversidade têm 36% mais chances de superar os concorrentes em lucratividade. Alinhada a pilares de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG), a Corsan acredita no poder de dar voz aos colaboradores para crescer sustentavelmente no mercado. "Além do comitê do Respeito Dá o Tom, também criamos grupos de afinidade, para aproximar pessoas também pelas temáticas de gênero, PCD, gerancional e LGBTQIAPN+. Realizamos fóruns quinzenais propondo ações a serem aplicadas em toda a Companhia em prol do fortalecimento da nossa cultura organizacional inclusiva e de um espaço seguro e livre de preconceitos", destaca Octávio. 

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