Sucessão em risco: Geração Z se distancia dos cargos de liderança

Bem-estar, saúde mental e equilíbrio pesam mais do que reconhecimentos salariais

A Geração Z ingressou em peso no mercado de trabalho, e esse processo natural tem movimentado o ambiente corporativo. Isso porque os jovens profissionais iniciam as carreiras com visões diferentes sobre vida, trabalho e crescimento. O modelo de carreira em Y - quando é possível escolher entre o crescimento enquanto especialista ou gestor - tem despertado maior interesse desse público. Nativos digitais, os nascidos entre 1995 e 2010, são os primeiros a terem experienciado uma vida inteira conectada e tecnológica. 

Entre as principais preocupações no mundo empresarial, está a falta de interesse em parte desse grupo em cargos de liderança. A tendência ficou conhecida mundialmente pelo termo quiet ambition, que, em tradução livre, significa ambição silenciosa. O consultor de carreira de Harvard Gorick Ng revelou em pesquisas que menos de 2% da Gen Z tem desejo por cargos de chefia. Paralelamente, uma pesquisa realizada pelo LinkedIn, rede social profissional, indica que até 2025 o grupo representará mais de 25% da força de trabalho global. O receio é de que isso resulte em uma ausência de líderes nos próximos anos. 


São diversos os fatores que podem levar a este desinteresse. Afinal, os novos profissionais valorizam mais aspectos que evitam o esgotamento como bem-estar, saúde mental, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e maior flexibilidade. Além disso, estão muito mais exigentes quanto aos valores de diversidade, inclusão e causas sociais, priorizam ambientes saudáveis de convívio e não temem os líderes, pois veem as relações profissionais de forma horizontal, não vertical. 

Aliado a um momento econômico mais estável do que em outros períodos, eles se sentem mais confortáveis para escolher qual trabalho se adequa mais à sua vida e não têm dificuldades para trocar de emprego. Essa última característica, por vezes, é vista pelos demais como falta de comprometimento. 

O pesquisador e palestrante Dado Schneider defende que os millennials foram os últimos a serem feitos do que ele chama de "mesmo material" das anteriores, pois nasceram no mundo analógico e foram acompanhando o surgimento do digital. No fim, receberam os mesmos estímulos das demais, enquanto a Geração Z foi a primeira a nascer já no digital. "Há uns 15 anos, eu fiz uma pesquisa com pré-adolescentes e identifiquei que eles não viam seus pais como modelos e me acendeu um alerta de que eles não iriam querer trabalhar conosco", relembra. 

A geração não vê os pais como inspiração profissional; no entanto, pesquisas indicam que eles estão sendo uma espécie de consultores dos filhos para esse ingresso no mercado de trabalho. Um estudo realizado com gestores pela Intelligent, revista on-line universitária dos Estados Unidos, indicou que 19% já observou a presença dos pais de candidatos nas entrevistas de emprego, os mesmos que estão ajudando também no desenvolvimento de currículos e no cadastro de vagas. 

Segundo levantamento feito pelo ManpowerGroup, especializada em serviços de recursos humanos, estes jovens já são o segundo maior grupo entre os trabalhadores brasileiros (23%), ficando atrás apenas da geração Y ou millennial, nascidos entre 1980 e 1994, que representam 25% do total. 

Já a geração X, de 1960 a 1979, é 20% da força de trabalho, e os baby boomers, nascidos entre 1945 e 1959, são 16%. Os comportamentos e as visões são diferentes, mas a realidade é que não há escolha. São muitas as gerações atualmente juntas nos ambientes corporativos e que precisarão aprender, se adaptar e se desenvolver juntas. 

Choque de prioridades

Situações econômicas distintas, criações diferentes, maior proteção familiar, mais possibilidades, novas ferramentas, entre outros fatores, fazem com que as visões desse grupo sejam conflitantes com os demais. Os Gen Z tiveram o primeiro contato com o meio empresarial de forma restrita e remota, o que aumentou ainda mais a distância com os outros profissionais e reduziu a vontade de interação. 

Afinal, a tecnologia já tem mudado a forma de os jovens se relacionarem em qualquer situação. "A pandemia potencializou ainda mais essa questão do afastamento, com menos convívio de equipe. No retorno para o ritmo normal, as condutas no trabalho seguiram as mesmas de antes, com questões de comando e controle, estruturas hierarquizadas e verticais", contextualiza Schneider.


Tais configurações não fazem sentido para os profissionais mais jovens. A coordenadora de Relações Empresariais da Unimed Porto Alegre, Graciele Grando, tem 46 anos e, desses, 10 como líder, o que a fez observar muito a mudança de perfis. Como geração X, conta que almejava a gestão desde o início da carreira, quando lia frequentemente as revistas da área para adquirir mais conhecimento sobre o assunto. 

Atualmente, está à frente de um time de 11 pessoas, de diferentes gerações, e percebe a mudança do papel do líder. "O chefe antigo, de comando e controle, não existe mais. Hoje temos mais horizontalização, para que os profissionais se sintam protagonistas em uma relação de confiança e transparência", avalia. Ela constata que o alinhamento de propósitos das empresas com os colaboradores é cada vez mais necessário para os mais jovens, enquanto os mais experientes buscam segurança e estabilidade. "Existe um choque do que é importante para cada um. Por isso, ter uma escuta ativa e trazer contrapontos são essenciais para manter a equipe engajada", elenca. 

A coordenadora de Marketing CRM - Customer Relationship Management, que em português significa Gestão de Relacionamento com o Cliente - da Tea Shop, Carolina Guterres, de 33 anos, tem a equipe mais jovem da empresa. Dos quatro liderados, três são Gen Z. "Eles não se encaixam no perfil de vestir a camisa a qualquer custo. Por isso, meu desafio é trazer a leveza para o dia a dia, em um ambiente acolhedor, para que o trabalho ocorra de forma fluída", destaca a millennial. Enquanto práticas anteriores levavam a acreditar que é preciso suar muito para ser promovido, Carolina verifica na geração mais jovem a crença de que é necessário entregar um bom resultado dentro do horário convencional de trabalho para ter reconhecimento. 

Este conflito das mais diferentes idades não é novo. A cada mudança de faixa etária, debates são levantados e adaptações são feitas. A geração X, por exemplo, chegou com uma visão diferente dos baby boomers, ao não ter interesse em manter a lealdade de trabalhar na mesma empresa uma vida inteira. Já a Y trouxe à tona a necessidade de atuar com propósito. Agora, a Z, que ingressou no mercado durante a pandemia, em uma realidade de trabalho remoto, busca ainda mais flexibilidade e maior equilíbrio. 

Porém, a pesquisa do LinkedIn indica ainda que, apesar de os aspectos citados serem importantes, trabalhar em locais que promovam o desenvolvimento de carreira é essencial para este grupo. Em comparação com as demais, a Geração Z tem 36% mais chances de priorizar oportunidades que possibilitem o avanço na carreira e 34% para as que permitam o desenvolvimento de competências.

Com esta visão, Eduarda Costa, analista de Marketing da Tea Shop e uma das integrantes do time gerido por Carolina, com 24 anos, vê a trajetória com oportunidades de crescimento horizontais, a partir de mudanças de áreas internas que lhe proporcionem aprendizados e que lhe possibilitem testar diferentes frentes de atuação. "A geração Z é muito curiosa com os assuntos de seu interesse e eu gosto de saber um pouco de tudo. Apesar de querer me especializar em CRM, não gosto de me colocar em uma caixa, porque acredito que o profissional não é uma coisa só, é um conjunto", defende. 

Renúncia de liderança não significa comodismo

Eduarda faz parte do grupo que não deseja liderar. Para ela, a gestão de pessoas é desafiadora e exige, além da técnica operacional, diversas outras habilidades pessoais e emocionais, nas quais acredita não obter. "Percebo que é preciso saber mais do que delegar tarefas, mas também desenvolver várias pessoas ao mesmo tempo em que pensa no seu próprio desenvolvimento. Não gostaria de ser uma líder ruim", argumenta. Dados coletados pela plataforma de people analytics canadense Viser indicam que 17% dos trabalhadores não têm confiança na sua capacidade de liderar e gerenciar uma equipe de forma eficaz. 

No entanto, o mesmo estudo aponta que os principais motivos para a quiet ambition são as expectativas de aumento de estresse e pressão (40%) e a perspectiva de trabalhar mais horas (39%). "Eles veem esse modelo de gestores estressados, com muitas horas extras e doando mais do que estão recebendo. Fico cada vez mais convencido de que eles vieram chacoalhar a gente ao questionar se é esse o tipo de vida que queremos ter no futuro", afirma Schneider. 


Conforme ele, a geração Z é tão revolucionária quanto os hippies, considerados os mais questionadores até então, porém sem redes sociais. "Agora com a interação que eles têm, são um exército para mudança de comportamento. Sustentabilidade, inclusão, diversidade, compartilhamento e cooperação fazem parte da agenda e, assim, eles vêm com uma força de debate e de luta que nenhuma outra geração teve. Então, se eles não podem mudar o lugar que eles estão, eles mudam de lugar", complementa o pesquisador. 

E é por estas pautas que estão mais abertos do que outras gerações para líderes mulheres ou mais jovens, por exemplo. Os Gen Z tendem a ver os chefes como amigos para o convívio diário e para um happy hour depois do trabalho, sem distinguir por hierarquia.

Vistos como inquietos, questionadores, críticos e exigentes, eles querem tecnologia em suas ferramentas de trabalho para atuarem com inovação e são avessos a processos e ideias do passado. Também são rotulados como individualistas, pois estão preocupados, prioritariamente, com o bem-estar e não estão abertos a escutarem os mais experientes. Apesar do salário não estar mais em primeiro plano, buscam reconhecimento em um curto período. "A Gen Z está chegando e tem muitas expectativas, espera rapidez e crescimento breve", reflete Eduarda. 

Mercado em adaptação

Atrair e reter os novos talentos estão entre os grandes desafios das empresas. Salários, benefícios e ambientes despojados não são decisivos na hora da escolha de trabalho. Um sinal de que os recursos humanos estão tendo que se esforçar mais para conquistar os mais jovens e reduzir a rotatividade é o employer branding, quando a empresa faz propaganda de si mesma, para ser sedutora para que trabalhem lá. "De modo geral, o mercado entendeu errado o que os mais jovens iriam querer. Não são ambientes com pufes e jogos para que eles passem mais tempo no trabalho, eles querem ter mais tempo livre fora dele", observa o pesquisador. 

De acordo com o estudo da Viser, as principais ambições dos profissionais atualmente estão fora do ambiente profissional: 67% indicaram que desejam passar mais tempo com família e amigos; 64% buscam ser física e mentalmente saudáveis; e 58% almejam viagens. Na contramão, apenas 9% projetam tornarem-se gestor de pessoas. Aliás, 12% dos entrevistados disseram que nada os convenceria a ter essa função, e 31% afirmaram que considerariam abandonar o emprego caso fossem nomeados gestores de pessoas. 


"Não buscamos só o retorno financeiro. O trabalho é uma parte importante da vida, mas ele é mais do que isso: é a forma como tu escolhe passar a tua vida e com quem deseja dividir as horas diárias", defende Eduarda, que considera relevante ainda aspectos como ganho de conhecimento e aprendizado, os espaços para errar e o papel social da empresa. A Gen Z entende como sucesso profissional o fato de estar atuando em uma organização que esteja conectada ao seu propósito de vida e que consiga conciliar suas atividades com a vida pessoal. 

Enquanto gerações anteriores buscavam conquistar coisas materiais, a Z deseja ter experiências. Corroborando com esse fator, estão propensos a ter menos ou não ter filhos, e manter menos vínculos empregatícios e de lar. "A pandemia abriu espaço para o trabalho remoto e criou vários nômades digitais. Com a mobilidade, obviamente, não terão o mesmo vínculo com o local de trabalho como as outras gerações tiveram", argumenta Schneider. 

Para Graciele Grando, o conflito geracional pode ser saudável porque provoca a repensar. "É um desafio diário reter os talentos. Há uma necessidade de suprir as expectativas dessa geração, com alinhamento de propósito e mudanças no estilo de trabalho. As empresas terão que se adaptar aos poucos e acredito que isso será um processo natural", avalia. Na mesma linha, Carolina prevê que o mercado irá se modificar: "Estamos saindo de um cenário em que as pessoas agradeciam por ter um emprego. Agora elas estão escolhendo onde querem trabalhar". Contudo, para que isso ocorra, a gestora preconiza que é preciso ter maior flexibilidade de ambos os lados. 

Por outro lado, o pesquisador e palestrante Schneider acredita que até o final desta década serão agravados os conflitos entre lideranças e liderados da geração Z, com maior preconceito no recrutamento desses jovens. "Terá uma onda de contratação de pessoas mais maduras, que tenham orgulho de estarem na empresa, pois é mais fácil atualizar elas do que a organização toda se transformar para seduzir os mais novos. Algumas instituições começarão a quebrar o gelo com uma aproximação, mas serão uma minoria", projeta. 

A mescla geracional pode trazer ganhos grandiosos às corporações, à medida que cada uma transmite o que tem de mais positivo. É preciso diálogo para proporcionar compreensão entre os envolvidos. "Sem a colaboração entre as gerações, a gente não vai conseguir ter empresas modernas, saudáveis, inclusivas, que deem lucro, que sejam produtivas. Teremos que encarar esse desafio", finaliza Schneider. 

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