Nem tanto ao céu, nem tanto a terra: é do modelo híbrido que os trabalhadores mais gostam

Resultado da pesquisa Índice de Confiança da Robert Half, divulgada em maio de 2024, reacende a discussão sobre modelos de trabalho

Divulgada em maio de 2024, a pesquisa Índice de Confiança da Robert Half, consultoria internacional de recrutamento, aponta que 77% dos trabalhadores preferem o trabalho híbrido. Um outro estudo, realizado pelo Grupo QuintoAndar com profissionais brasileiros, revela que duas a cada cinco pessoas, ou 43% dos entrevistados entre 35 e 44 anos, pediriam demissão caso fossem obrigados a retornar ao regime totalmente presencial. Entre os mais jovens, de 18 a 24, o percentual é de 39%. 

Não existe um modelo certo. É o que acreditam as três fontes da reportagem. Vitória Diehl é gerente de Marketing da Flowork, que oferece espaços para diferentes formatos, como estações compartilhadas, escritórios exclusivos e personalizados e salas de reuniões. Co-CEO da Agência Escala, Rodrigo Dipp comanda equipes que mesclam entre presencial e a distância, além de unidades em outros estados, que aumentam o desafio. Marcia Breda é jornalista e editora do Adoro Home Office, plataforma criada em 2015 para discutir a temática na internet.

Em consenso, defendem que é preciso entender a cultura e os objetivos de cada negócio para definir como e onde se trabalha. "Eu gosto de dizer que é positivo que a gente agora tenha mais de uma opção, porque as pessoas são diferentes também no formato de trabalhar", pontua Marcia. Dados da Flex Report indicam que o trabalho remoto é cinco vezes mais comum atualmente do que em 2019. Esse foi o último ano antes da pandemia de Covid-19, principal motivador para as mudanças na configuração do mercado de trabalho brasileiro.

Segundo analisa Dipp, os benefícios existem de ambos os lados. "A presença aproxima as pessoas, especialmente as que estão iniciando na empresa, o que é bom para a construção da cultura. Em casa, caso a pessoa precise fazer algo mais técnico, por exemplo, a solitude e o silêncio podem ajudar. O fato de evitar horas em deslocamento no trânsito e ter mais tempo para atividades que também contribuem para a produtividade profissional, como se alimentar saudavelmente, fazer exercícios, passar momentos com a família, são outros pontos positivos do remoto."

Interferência imobiliária

Com as empresas fazendo rápidas adaptações para continuar trabalhando durante a pandemia, as taxas de desocupação de salas e prédios destinados a escritórios despencaram consideravelmente até 2023, quando o mercado imobiliário foi notado "pressionando" o retorno ao presencial. A taxa de disponibilidade de espaços corporativos em São Paulo saltou 50% de 2020 para 2021. No ano passado, a realidade começou a mudar. Em 2023, encerrou-se com a absorção bruta de escritórios de 445.159m² na capital paulista, representando uma adição de 17% em relação a 2022. Além disso, 81 mil metros quadrados foram acrescidos somente no último trimestre do ano. 

Os números são da Colliers International, que atribui o feito a uma combinação de clima econômico favorável e a consolidação do modelo de trabalho híbrido. Atenta aos movimentos, a empresa gaúcha Flowork, que está há sete anos no mercado, se posiciona como especialista em 'built to suit', expressão que em português significa 'construído para se adequar'. "Pegamos todas as fases, pré, durante e pós Covid-19. Tivemos uma mudança drástica no perfil dos clientes que, em sua maioria, saíram da ideia de mesão comprido com todo mundo no coworking para escritórios privativos. Sempre oferecemos isso, o que é um diferencial", explica Vitória, que segue: "Hoje, nosso principal produto são sedes corporativas personalizadas, construídas de acordo com as necessidades de cada empresa".

Outro tópico a ser considerado na equação é que muitos donos e CEOs têm dinheiro investido em ativos imobiliários. Ou seja, se a procura diminui ou até mesmo cessa, estes perdem substancialmente com imóveis corporativos desvalorizados. E, apesar da reação positiva para esse mercado, o cenário é diferente. Esqueça as vultosas casas, andares inteiros ocupados pela mesma companhia. Os espaços compartilhados e/ou alugados por demanda não refletem apenas menos custos, mas também a oportunidade de se conectar a outras marcas e, consequentemente, abrir portas para novos negócios.

"Quando escolhemos um coworking, tínhamos clareza de que precisávamos circular mais", conta Dipp. Com 50 anos de história, a Agência Escala tem, além de Porto Alegre, operações fixas em Brasília e São Paulo. O fluxo com diferentes tipos de negócios não é novidade, mas a vivência diária com profissionais e empresas de diversas áreas tem sido revigorante. "É uma relação diferente de estar em um escritório só da tua empresa. O coworking nos reenergiza e temos como propósito não estar ali dentro apenas para ocupar uma sala, mas viver o ecossistema. Nossos colaboradores estão felizes, e isso nos mostra que está funcionando bem. É um ambiente jovem, moderno e que bate muito com a cultura que temos", declara o co-CEO.

Confiança

Você já deve ter lido alguma notícia referente a funcionários que processaram as empresas em que trabalhavam por hipervigilância, como obrigatoriedade de manter a câmera do computador aberta durante o expediente para comprovar que está trabalhando; anotações de quantas vezes se ausentou para ir ao banheiro; inúmeras mensagens no WhatsApp pós-horário de trabalho. Limites e bom senso precisam ser recíprocos, alerta Marcia, principalmente com as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), instituída em 2018 no Brasil e, em vigor, desde 2020. 

"A LGPD tem limitações que asseguram a privacidade do funcionário. Por exemplo, a gravação por vídeo é absolutamente contra as regras. Mas se a empresa deixa claro quais são as formas de vigilância em contrato - geralmente por um software de gravação de tela -, ela pode estar dentro da lei", observa ela. Falando sobre diferentes formas de trabalho há quase 10 anos nas redes sociais, Marcia sugere que uma gestão focada em entregas e não em tempo em que a pessoa dedica em frente ao computador pode aliviar a necessidade de controle. 

O impulso da Geração Z para uma vida com mais protagonismo, em todos os sentidos, também integra as tendências sobre formatos de trabalho. A gestão eficaz de uma equipe que atua em diferentes lugares físicos ou até mesmo em fusos horários distintos passa, primeiramente, pela habilidade de confiar nas pessoas que você, gestor, contratou para fazer crescer o seu negócio. Com mais de 220 mil seguidores no Instagram, o Officeless é uma mistura de escola, plataforma, consultoria e comunidade que, em sua própria designação, apoia lideranças, profissionais e organizações a se prepararem para um mundo cada vez mais distribuído e digital. 

Entre as recomendações, o Officeless montou um manual com nove passos para adotar o modelo remoto ou híbrido com sentido para todos os lados da moeda. São eles:

Ter uma estrutura na nuvem com ferramentas para uma central única de comunicação da empresa, armazenar arquivos, gerenciar senhas, dar andamento aos projetos e documentar conhecimento.

Desconstruir o analógico e construir processos e fluxos de trabalho que funcionem, independentemente de onde as pessoas estiverem, focado no digital.Priorizar a comunicação assíncrona e estruturada, entendendo o tempo de cada profissional; ter uma missão clara e compartilhada.

Definir e avaliar continuamente métricas que sinalizem que os resultados estão sendo alcançados; criar rotinas e rituais e segui-los.

Aprender que prioridade é uma palavra no singular, a produtividade precisa ser consciente; adotar uma cultura de remoto primeiro, para quando mesmo alguns estiverem juntos presencialmente, não esqueça de quem está trabalhando de outro lugar.

Comprometer-se com a mudança.

"O cuidado começa na hora de recrutar. Os líderes precisam se preocupar em alinhar a cultura da empresa com o potencial do colaborador. Ninguém faz bem o que não acredita! As pessoas precisam crescer junto com a empresa e não só como frase de efeito, precisa ser real", ressalta Vitória. 

Amazon, Google e cia

Poderosas no ramo da tecnologia, elas foram as primeiras a levantar a bandeira do home office quando a pandemia começou. O que aconteceu, então, para multinacionais como Amazon, Google, Meta e outras abandonarem o pensamento e ameaçarem até mesmo demissão para os funcionários que não retornassem ao presencial de 2023 pra cá? Muitas justificam citando a importância do trabalho em equipe "face a face", apoiando-se em pesquisas que propõem que o remoto pode impedir tal colaboração. 

Por que, então, dados como os do estudo divulgado em março deste ano pela plataforma de gestão de benefícios Flash, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Grupo Talenses, de recrutamento e seleção, expõem que 69% das pessoas que trabalham em casa ou com possibilidade de remota para qualquer lugar estão mais satisfeitas e 45% mais engajadas com o ambiente empresarial? Quando a lupa mira o híbrido, mostra que 61% dos entrevistados estão contentes, contra 51% que fazem integralmente presencial.

"Não há receita pronta. Temos que conectar cliente, agência e profissionais. Quando olhamos para gigantes como Google e Amazon, claro que nos perguntamos os motivos pelos quais as levaram a tomar tais decisões, pois é fundamental acompanharmos os movimentos de mercado. Porém, é testando e identificando as particularidades que conseguimos escolher o modelo ideal, pelo menos para esta equipe, neste momento, para este alvo", pondera Dipp.

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