Demissões voluntárias: recordes são ponto de alerta para empresas

Número elevado no Brasil e no Rio Grande do Sul acompanha mercado de trabalho aquecido e busca por melhor qualidade de vida

Mercado de trabalho dinâmico, oportunidades de empreender, busca por qualidade de vida, mudanças nas prioridades profissionais e pessoais. Quais são os motivos que levam um profissional a solicitar o desligamento de um emprego? Os pedidos de demissão voluntária bateram recorde no Brasil em 2023. Foram 7,3 milhões que optaram em deixar seus empregos de carteira assinada no País. O número também foi o mais alto da série histórica, que se iniciou em 2004, no Rio Grande do Sul, quando 513,7 mil trabalhadores fizeram essa opção. O levantamento foi feito pela LCA Consultoria Econômica, empresa de análise e inteligência de mercado, a partir de dados do Ministério do Trabalho e Emprego. 

Para o autor do estudo e economista da LCA, Bruno Imaizumi, são diversos os fatores que levam aos números elevados. A crise provocada pela Covid-19 mudou a forma como as pessoas se relacionam com o trabalho, especialmente as mais jovens, que buscam maior equilíbrio entre remuneração e qualidade de vida. Prova disso é que a faixa etária de 18 a 24 anos representa 29,5% do total de demissões voluntárias, seguido dos profissionais de 30 a 39 anos (27%) e de 25 a 29 anos (19,9%). 

Por outro lado, o indicador demonstra um grau de aquecimento do mercado. Afinal, 2023 fechou com a menor taxa de desemprego desde 2014: 7,8%. "Durante os piores momentos da pandemia, muitas pessoas aceitaram empregos de menor remuneração, e ainda observamos um resquício de normalização: trabalhadores estão se desligando de seus empregos 'provisórios' para serem admitidos em outros mais condizentes com suas qualificações. Com o nível de desemprego baixo, acredita-se que boa parte dessas pessoas esteja se desligando para ser admitida em outro local", explica Imaizumi. O economista acrescenta, ainda, que o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) tem uma nova metodologia desde 2020, o que torna as informações capturadas mais abrangentes.  

Somado a isso, Janine Rocha, professora da escola de Negócios da Fadergs e especialista em Gestão de Recursos Humanos, acredita que a sociedade tem visto o mercado de trabalho de forma mais ampla, para além das oportunidades com carteira assinada, com maior adesão às funções autônomas e como Microempreendedor Individual (MEI). "As pessoas estão buscando mais liberdade de tempo para ajustar suas atividades diárias e percebem esse outro caminho como possibilidade", explica. 

Peso diferente para a vida profissional

Em outros momentos, o trabalho foi o ponto central da vida de muitas pessoas, que fazia com que elas se apresentassem às outras, e mais ainda se identificassem dessa forma, com o nome associado ao da empresa. Atualmente, ele é visto por uma parcela significativa da população como um meio para conquistas e experiências. A mudança comportamental teve a pandemia como catalisador. 

"As pessoas ficaram face a face com a finitude da vida, de forma abrupta, o que acendeu alertas sobre a necessidade de aproveitar momentos. Com isso, o trabalho se tornou um meio para viver melhor e não o ponto mais importante, aliado à chegada no mercado das novas gerações, que já têm esse pensamento", acredita Janine. Ela lembra: os integrantes da Geração Z têm uma nova forma de ver o trabalho e estão influenciando muito a perspectiva dos demais em relação à busca por equilíbrio, valorização da saúde mental e do tempo para lazer e bem-estar.

Concomitantemente a índices de burnout elevados - 32% dos brasileiros sofrem com esgotamento profissional e 72% estão estressados no trabalho, de acordo com pesquisa da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), associação mundial de pesquisa e desenvolvimento da prevenção e do tratamento de estresse -, há um outro movimento para fugir desse ciclo. A atual head de Marketing da Todo InComm, Maurens Rosa, 30 anos, já foi diagnosticada com burnout por três vezes ao longo da sua carreira, o que a fez repensar sobre o papel do trabalho na sua vida. 

Assim, aprendeu a conhecer seus limites e buscar uma vida com maior equilíbrio e, por isso, em duas oportunidades, optou pelo processo de demissão voluntária, mesmo que tivesse que abrir mão de conquistas ou de um salário maior. "Fui criada por baby boomers que me ensinaram a estudar, fazer faculdade e trabalhar duro para conquistar uma carreira de sucesso. O resultado da dedicação foi esse, não que não tenha tido retorno financeiro e reconhecimento profissional, mas penso que o preço é muito alto", reflete. 

Para Maurens, as demissões voluntárias estiveram conectadas ao autocuidado e autoconhecimento. "Se eu perder o emprego, consigo outra forma de me recolocar, como fiz em outros momentos. Hoje, depois de ter feito mentoria, tenho mais clareza sobre as diferentes possibilidades de atuação e consigo ter confiança na minha trajetória até aqui, tudo o que já desenvolvi por onde passei", explica. 

Graduada em Publicidade e pós-graduada em Marketing, Maurens faz parte do grupo cujo índice proporcional é o mais elevado. Os pedidos de desligamentos do grupo com pós-graduação completa representam 46,9% dos desligamentos neste grau de instrução. Os dados seguem acima de 40% a partir do ensino superior incompleto. "Quanto maior o nível educacional, melhores as oportunidades de colocação. Em todos os setores, há dificuldades de buscar profissionais altamente qualificados para trabalhos especializados. Por isso, a importância de um aperfeiçoamento constante e, para além do conhecimento técnico, aprimoramento de soft skills, aptidões comportamentais e não técnicas, como habilidade de liderança, desenvoltura pessoal e relacionamento interpessoal", reforça Janine.

 

Desafio na retenção de talentos

Os benefícios como vale-alimentação, plano de saúde, Gympass ou ainda auxílio home-office, creche ou saúde são algumas das ferramentas utilizadas para atrair e conquistar talentos. No entanto, os índices altos de turnover (taxa de rotatividade de colaboradores) resultam em grandes despesas para as empresas, bem como uma necessidade de maior tempo para treinamento. 

Porém, tais atrativos não são suficientes para manter o profissional interessado em permanecer na organização. Além da remuneração e visão de possibilidade de desenvolvimento de carreira, buscam uma rotina mais maleável, sobretudo com possibilidade de atuação nos modelos híbrido ou remoto. Uma pesquisa global do ManpowerGroup, empresa de soluções para a força de trabalho, indicou que a criatividade, a colaboração e a flexibilidade tornaram-se pilares fundamentais. Durante o levantamento, os candidatos relataram desejar a semana de trabalho de quatro dias (64%), a possibilidade de escolher os horários de início e fim da jornada (45%) e menos rigidez para trabalhar em casa (35%). 

"A exigência de algumas empresas em voltar à jornada presencial já não faz mais sentido para algumas pessoas e, assim, surgem diversos descontentamentos. Os profissionais estão buscando maior equilíbrio com a vida pessoal. A qualidade de vida está em primeiro lugar", explica Janine. Para a especialista, a carga horária é outro ponto que tem trazido divergências e precisa ser repensado. "A jornada com horário fixo já não é o modelo mais atrativo e sim o modelo de conclusão de tarefas. As empresas que ficarem presas à hora do relógio perderão profissionais, pois esse modelo leva à maior exaustão", argumenta. 

Por sua experiência pessoal, a publicitária Maurens avalia sempre se as empresas têm propostas de valor conectadas com seus princípios, se suas ideias serão valorizadas e não descredibilizadas. "Os profissionais hoje querem outras coisas além do dinheiro. Eu quero ter saúde, dinheiro para viver, viajar nas férias, meu bem-estar passa pela minha rotina. O emprego não está mais no centro da nossa vida", ressalta.

Entre as dicas da professora de RH, estão, principalmente, escutar as necessidades dos profissionais e entender seus valores. Contudo, reconhecer os talentos é algo expressamente necessário, não apenas no aspecto da remuneração, fator que não retém, mas pode ser causa de perda, caso esteja abaixo do mercado ou que não acompanhe adequadamente com a evolução do trabalhador. O desafio é outro aspecto importante e garante maior comprometimento nas entregas. Compreender o clima organizacional e permanecer com a escuta ativa são também essenciais para manter o time motivado. 

Alerta para as empresas

Para o economista Imaizumi, a tendência é continuar observando recordes, ou ao menos índices elevados, de demissões voluntárias. Afinal, os dados seguiram em patamares altos no primeiro trimestre de 2024, com 2,1 milhões em todo o País e 157,1 mil no RS, aumentos de 11,3% e 8,2%, respectivamente, em relação ao mesmo período do ano anterior. "A nova geração que está ingressando no mercado de trabalho tem sinônimo de sucesso profissional diferente das gerações anteriores, que costumavam fazer carreira em uma única empresa", compara. 

As relações de trabalho mudaram, o mercado está aquecido, e as empresas? As companhias estão atentas a esse movimento? Para a profissional de Recursos Humanos, as organizações estão aprendendo tardiamente. "Elas estão vendo seus talentos irem e estão correndo atrás do prejuízo. Porém, aquelas gestões com visão mais antiga de que as pessoas dependem do trabalho estão ficando para trás", enfatiza Janine. Para ela, a tragédia climática do Rio Grande do Sul pode gerar um outro momento de reflexão sobre essas relações. "A sociedade, de modo geral, busca empresas com maior responsabilidade social e esse foi um momento em que os valores pessoais e corporativos ficaram mais escancarados", salienta. 

Pelo lado do trabalhador, Maurens acredita que existem empresas que já estão olhando para esses desafios. Entretanto, apesar do movimento, ela não vê como algo orgânico e genuíno. "A sociedade não é mais a da escassez, como a de tempos atrás, o trabalho não é mais o centro de tudo e é negligência negar isso. A empresa precisa entender efetivamente que o bem-estar do colaborador importa", defende. 

 

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