Debranding, rebranding ou branding? O que está acontecendo?

De Laura Amaral, para Tendências Comunicação

Áreas criativas e estratégicas compartilham uma característica curiosa: a cada briefing pode-se esperar um mundo de possibilidades. Com o branding não é diferente. Esse processo de gerenciamento de marcas cresceu junto a grandes corporações e, muitas vezes, dentro delas, de forma que cada uma pode ter um olhar diferente para a mesma coisa ou o mesmo nome para coisas diferentes. Por isso, em praticamente todo projeto novo, costumamos alinhar as expectativas, investindo num momento de debriefing e criando uma linguagem comum.   

Uma expressão que tem surgido com certa frequência nos últimos anos é o debranding. O prefixo de- em inglês significa oposto, redução, distanciamento, algo próximo ao des- na língua portuguesa. Logo, o debranding, na sua essência etimológica, seria um movimento oposto ao branding. Mas, como tudo nesse negócio pode ter diferentes significados, vale abrirmos alguns deles, numa espécie de debriefing interno.

Podemos pensar em pelo menos duas diferentes interpretações para debranding. O debranding visual e o debranding que vamos chamar aqui de brandless, a título de diferenciação. O debranding brandless é impulsionado pelo conceito de consumo consciente e ganha força num contexto em que as pessoas passam a duvidar ativamente das instituições, entre elas as marcas, buscando mais verdade e proximidade com o que e de quem compram produtos e serviços. A estratégia acompanha uma ética clara: a de resgatar a confiança do consumidor, seguir os princípios da transparência e focar no que é fundamental: a qualidade do produto. Um exemplo deste caminho é a rede The Coffee, que assume o nome do produto como nome de marca, ou mesmo a queridinha do skincare The Ordinary, que tem como promessa a entrega de formulações clínicas com integridade. 

Também podemos pensar no boom de marcas próprias onde a confiança está depositada não nas marcas de produto, mas na marca do canal, que faz essa curadoria. Um exemplo extremo de debranding seria um canal de vendas a granel e com produtos genéricos, sem uma identificação de propriedade, apenas de proveniência e de qualidade. No entanto, qualquer um desses casos não deixa de ser uma estratégia de branding. O de- aqui talvez assuma um papel mais conceitual.

Quando aplicado ao design, o conceito de debranding ganha um significado diferente. O debranding visual é uma estratégia de simplificação ou minimização dos elementos gráficos de uma identidade visual. Logos têm perdido sombras, brilhos, gradientes, profundidade, detalhes. As marcas de hoje estão mais simples, mais flat, mais iconográficas e às vezes até monocromáticas, reforçando cada vez mais uma única cor como um distinctive brand asset

Confesso que me causa um certo desconforto reduzir o branding a algo exclusivamente visual, quando na verdade seu papel é muito mais amplo e contempla a gestão de toda a experiência que se tem com uma marca. Mas, ainda no espírito de debriefing, vamos nos ater ao conceito pré-estabelecido de debranding visual e decupá-lo um pouco mais.

Por um lado, pode-se pensar que as marcas se adaptam ao seu tempo. Na década de 80, muitas tinham essas características. Suas aplicações eram mais simples e os próprios recursos de impressão menos desenvolvidos. Mas, a partir do final dos anos 90, várias delas foram ganhando volume, brilho e uma série de outros efeitos e movimentos. O Burger King pode ser tomado como um exemplo. Seu logo, antes bastante iconográfico, fazendo alusão ao Whopper tanto em forma quanto em cores, foi redesenhado no final dos anos 90, ganhando uma inclinação ascendente e uma terceira cor, azul, além de brilho e volume. 

Será que a pressão socioeconômica pela produtividade e performance pode ter contribuído para o uso de elementos visuais com essas conotações? Recentemente, acompanhamos o debranding do Burger King. Uma identidade muito próxima a dos anos 80, porém de forma mais consistente, com cores naturais que remetem aos ingredientes, e lettering e ilustrações indulgentes.

Mas o debranding visual vai além de uma tendência estética (minimalista), comportamental (burnout visual) ou de uma necessidade de modernização ou refresh de marca. Um dos principais fatores que levam empresas a reverem suas identidades visuais é a necessidade de adaptação ao universo digital. Veja o case do Itaú, recentemente. As marcas precisam ser responsivas, ou seja, se ajustar a diferentes plataformas, dispositivos e tamanhos de tela, mantendo sua consistência, garantindo leitura e identificação e tornando a experiência do usuário mais intuitiva e fluida. As marcas nativas digitais estão aí para contar essa história. 

O Nubank é um exemplo de criação de um sistema completo de branding desenhado desde a estratégia do negócio até sua identidade visual, simples, direta, com um tom de voz descomplicado, uma paleta proeminente em tons violeta, formas circulares, imagens reais e não pousadas e textos em caixa baixa. Criadas no meio digital, marcas como essa, estabelecem uma interlocução direta com o usuário, obtém o controle da jornada e da experiência de compra e assumem essa conexão próxima com o seu target como premissa do negócio. 

Aqui talvez possamos perceber uma intersecção entre os dois conceitos de debranding: tornar-se próximo, familiar, simples, direto. No entanto, a estratégia de debranding visual passa longe do que poderíamos chamar de algo oposto ao branding. Se bem feita, a estratégia retrata a essência da marca, dá a ela liberdade de expressão, facilita a navegabilidade em portfólio de produtos e eleva a capacidade de identificação e reconhecimento imediatos. 

Outro ponto importante é que o debranding visual extrapola o logo. Junto com sua simplificação é feito um estudo criterioso de identidade visual responsiva, criando-se um conjunto de elementos que, combinados entre si, retratam o espírito daquela marca. Uma espécie de caixa de ferramentas visuais que orientam o trabalho da empresa e de seus parceiros criativos. Veja a forma como o Google usa cores e ícones nas suas diferentes plataformas e serviços, criando uma experiência de marca única.

Você deve estar se perguntando o que diferencia isso de um trabalho de rebranding visual. Ora, nem todo processo de rebranding visual leva ao caminho do debranding visual. Mas, no contexto em que vivemos, será que não deveria levar? O debranding visual seria um dos destinos possíveis de uma estratégia de rebranding ou o novo jeito de fazer branding, numa perspectiva de design?

Cognitivamente, o debranding visual faz muito sentido. Aproximadamente 80% da nossa percepção sensorial vem de estímulos visuais. Mas nosso cérebro respeita uma sequência perceptiva em que formas e cores são identificadas e memorizadas de forma mais rápida e direta do que letras e números, que precisam ser decodificados para ganhar significado. Então, todo exercício de síntese visual funciona como um atalho mental. No entanto, isso não significa que o jogo está ganho. Um estudo publicado no Journal of Business Research a respeito de ferramentas de pesquisa como o eye-tracking, lembra que ver ou prestar atenção em algo não necessariamente corresponde a gostar ou preferir. A reputação de uma marca segue sendo prioridade. 

Talvez por isso, grande parte dos exemplos de debranding que vemos são de marcas maduras, como Warner Bross, Volkswagen, Intel, McDonalds, AT&T. Marcas com um awareness gigante e que já tem o seu lugar garantido na nossa biblioteca de memória visual. Será que marcas que carecem de uma identidade forte e reconhecida conseguiriam fazer um de/para imediato?

Outro ponto de reflexão: a adoção de uma estética flat e minimalista seria bem-vinda em qualquer cultura? Como será que mercados que super valorizam a ideia de "mais é mais" iriam receber essa estratégia? Afinal, dependendo do segmento e do público-alvo, uma estratégia de debranding pode ser interpretada como uma redução na qualidade ou no valor percebido do produto.

Mais do que seguir uma tendência, é necessário compreender a essência de um problema, visualizar as oportunidades e desenhar a estratégia levando sempre em conta a verdade da marca. Ou seja, mais limpo ou não, o branding está ali para além da estética, atendendo as intenções da marca. Enquanto houver isso, mesmo que se chame debranding, será sempre branding.

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