Dá para confiar? Confira guia prático de estudos científicos para jornalistas

Cobrir ciência pode ser desafiador para iniciantes, mas tudo fica mais fácil quando se entende o mundo das publicações

Nada substitui um especialista. Mas jornalistas que iniciam a trajetória de cobrir temas ligados à ciência precisam entender, pelo menos, como funcionam os estudos científicos. Assim, podem barrar a publicação de notícias sobre aqueles que não são úteis à população, não são confiáveis de alguma maneira, ou são experimentais demais para valer à pena por enquanto.

Esta foi a recomendação dada por Luíza Alvim, formada em Medicina e em Comunicação Social, ao encerrar sua entrevista da reportagem "Saúde mental como pauta no Jornalismo e bandeira no Marketing". O guia abaixo não pretende abordar tudo sobre os estudos, quanto menos ser um ponto final em relação ao processo da pesquisa. Mas sim, instigar e auxiliar as focas da área e eventuais interessados a começarem a entender melhor como esse mundo funciona.

Tipos de estudos

Talvez, em algum momento da sua formação no Ensino Fundamental, você tenha aprendido sobre método científico e estudos que utilizam grupo de controle. Na faculdade, a chegada do temido Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é, muitas vezes, o primeiro contato do estudante com a produção de ciência. Quando se trata de pesquisas científicas de maior fôlego, o universo de possibilidades de abordagens é bem maior.

Estudos observacionais: pesquisadores observam e registram eventos, comportamentos ou fenômenos, mas não interferem diretamente neles.

Experimentos controlados: pesquisadores manipulam variáveis para observar os efeitos produzidos. Um grupo experimental recebe o tratamento, enquanto um grupo de controle similar não recebe. Isso permite avaliar a causalidade entre a intervenção e o resultado.

Estudos quase-experimentais: similar aos experimentos controlados, mas sem o controle completo sobre as variáveis. Podem ser utilizados em situações nas quais não é ético ou prático manipular completamente as variáveis.

Revisão sistemática: coletar, avaliar e sintetizar todas as evidências disponíveis sobre uma pergunta de pesquisa específica. O objetivo principal é examinar criticamente os estudos para identificar padrões, lacunas no conhecimento ou tendências.

Meta-análise: técnica estatística usada em revisões sistemáticas para combinar os resultados de múltiplos estudos primários sobre um tema específico. É uma ferramenta utilizada dentro da revisão sistemática.

Estudos longitudinais: realizados ao longo de um período, permitindo observar mudanças e tendências. Podem ajudar a compreender o desenvolvimento de condições médicas, comportamentais ou sociais.

Estudos qualitativos: explora e descreve fenômenos complexos, muitas vezes utilizando entrevistas, grupos focais ou observações para entender as experiências e perspectivas das pessoas envolvidas.

Preprint: pré-publicações. São versões de artigos que ainda não foram revisados por pares e podem estar disponíveis online para a comunidade científica. Embora ofereçam acesso rápido à informação, seus resultados podem não ter sido totalmente validados.

To peer or not to peer

Já ouviu falar em Peer Reviewed, ou Revisão por Pares? É um sistema no qual os artigos são avaliados por especialistas na área que não estão envolvidos diretamente no estudo. Eles olham para o trabalho de forma crítica, observando a qualidade, originalidade, metodologia, resultados e conclusões do estudo. Isso ajuda a garantir a credibilidade das publicações.

Todo mundo tem viés

Vieses não são, necessariamente, indicadores da má conduta do pesquisador. Tratam-se de desvios sistemáticos que podem até ser involuntários. Cientistas trabalham para contornar, ao máximo, esse problema. E os jornalistas precisam estar cientes da existência deles para manter o senso crítico.

A lista completa de vieses é extensa. Abaixo, citamos alguns deles:

Viés de seleção: ocorre quando há uma falha na seleção de informações e objetos de estudo. Isso prejudica a aleatoriedade e pode levar a conclusões errôneas, já que os resultados podem não ser aplicáveis à população em geral.

Viés de confirmação: tendência de buscar e interpretar informações de maneira que confirme as próprias crenças ou hipóteses pré concebidas, gerando uma interpretação seletiva dos resultados.

Viés de publicação: surge quando estudos com resultados positivos têm maior probabilidade de serem publicados do que estudos com resultados negativos ou neutros.

Viés do pesquisador: refere-se à influência das crenças, expectativas ou preferências pessoais do pesquisador nos resultados do estudo, afetando a seleção de métodos e a interpretação dos dados.

Viés de financiamento: interesses financeiros podem, sim, influenciar os resultados. Estudos financiados por determinadas indústrias, por exemplo, podem tentar apresentar resultados que as beneficiem.

Passo a passo simplificado:

 1. Comece com revisões sistemáticas: elas oferecem uma visão abrangente do tema, sintetizando os resultados de vários estudos. Procure em bases de dados acadêmicas, como PubMed, Scopus ou Web of Science.
 2. Confira as fontes: dê preferência a estudos revisados por pares e publicados em revistas científicas reconhecidas.
 3. Analise a metodologia: considere o tamanho da amostra, o desenho do estudo, a validade estatística dos resultados e se ele foi controlado de maneira adequada.
 4. Verifique as conclusões: certifique-se de que as conclusões do estudo são suportadas pelos dados apresentados. Se houver declarações que vão além dos resultados, seja cauteloso.
 5. Procure um especialista: um cientista que pesquisa o assunto em questão sempre vai agregar na matéria e pode dizer se há um consenso na comunidade acadêmica sobre aquela conclusão.

 

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