Comunicação exponencial: os 6Ds aplicados ao Marketing

Em um cenário propício à inovação, eventuais disrupções trazem tanto novos desafios, quanto oportunidades

O futuro é disrupção. Mas também digitalização, decepção, desmonetização, desmaterialização e democratização. Tratam-se dos 6Ds: um ciclo desenvolvido por Peter Diamandis para identificar negócios escaláveis, impulsionados pela tecnologia. No Marketing, uma área disposta a conectar empresas a consumidores, a adesão a essas tendências é tanto natural, quanto necessária.

Não é possível pensar em uma total linearidade. Há milhares de dispositivos e realidades diferentes. Enquanto jovens testam mundos imersivos, empresas apostam em ensinar as gerações mais velhas a utilizarem o Whatsapp. Os 6Ds organizam a trajetória de uma tendência mercadológica. E há muitas dessas trajetórias acontecendo ao mesmo tempo. É papel do Marketing estar atento a tudo isso e não ficar para trás.

Quem (não) está na web?

A digitalização é o começo de tudo. É quando os processos analógicos são transformados em digitais. O mundo viu a importância da publicidade no jornal passar à rádio, aos outdoors, à televisão. Hoje, a palavra de ordem é rede social, considerada uma vitrine do negócio e um espaço de conexão com os clientes - atuais e possíveis. 

Inúmeros desafios foram trazidos pela revolução digital. Antigamente, lembra João Finamor, professor de Marketing Digital da ESPM Porto Alegre, os profissionais de Comunicação pensavam em, no máximo, quatro pontos de contato com o cliente. Agora as possibilidades são infinitas. Além dos meios tradicionais, há de se pensar em presença no Instagram, Facebook, Whatsapp, Youtube, criação de website e por aí vai. 

Mesmo a nossa pegada virou digital. Entramos na era do Big Data e dos Customer Insights. O processamento de grandes volumes de dados com uma análise direcionada é capaz de indicar o melhor caminho para uma empresa tomar. Isso sem falar no avanço da Inteligência Artificial e técnicas preditivas que permitem entender quais conteúdos têm mais chance de viralizar.  

A etnografia também não ficou presa ao passado. Analisar o comportamento do consumidor na web é beber direto da fonte, destaca Finamor. No entanto, talvez seja necessário puxar o freio das expectativas de um futuro totalmente data-driven.  Gabriel Fuscaldo, CEO da Moove, lembra que a maior parte dessas informações está restrita a plataformas como o Meta, Google e TikTok. Consequentemente, às atividades realizadas pelo usuário dentro delas. É possível entender a diferença entre dois usuários seguidores da mesma página no Facebook. Mas a Coca-Cola não consegue saber, exatamente, quando um cliente abriu a latinha comprada na semana passada. Ou se já abriu, na verdade.

Talvez nunca haja uma segmentação de público tão específica, granular. Se o "guru" do Marketing, Philip Kotler, projeta um futuro onde cada mensagem é personalizada para cada consumidor, Fuscaldo afirma, rindo, espera que isso nunca se torne realidade. De qualquer forma, a jornada dos dados pode não ser integrada entre esses grandes players ou compartilhada com o público. Afinal, cada um joga com as informações que tem.

A frustração faz parte

Nem tudo são flores. Antes de qualquer tecnologia se tornar viral, passa pela etapa da decepção. Ela não funciona conforme as expectativas e é preciso, de alguma maneira, convencer-se e aos outros de que é necessário investir e dar tempo ao tempo. 

Muito se fala em interação dentro do Marketing. Na vanguarda dessa ideia, destacam-se duas tendências com nomes parecidos: a Realidade Aumentada (RA, ou AR) e a Realidade Virtual (RV, ou VR). A primeira proporciona a fusão entre digital e o virtual, permitindo ao consumidor experimentar roupas pela câmera do celular, por exemplo. Já a segunda utiliza dispositivos como óculos e capacetes para criar um mundo totalmente digitalizado.

É preciso alguma cautela ao lidar com ambos assuntos. Óculos de RV são frequentemente considerados desconfortáveis, grandes demais e caros. Finamor faz uma comparação provocativa: "quem lembra como eram os (risos) 'tijorólas'?". Hoje temos os smartphones. E se o público não sabe como utilizar um novo dispositivo, Luciana Faluba, professora e pesquisadora na área de Estratégia e Marketing na Fundação Dom Cabral, defende: "A própria marca que estiver ofertando a nova tecnologia de forma pioneira cuida do letramento do seu cliente".  

Quanto à RA, Finamor acredita no crescimento entre essa fusão entre "on" e "off", com aplicações cada vez mais interessantes e viáveis. Vislumbra um cotidiano hibridizado, sem tanta distinção entre digital e físico, com um Marketing 360º. Entretanto, aponta a existência da necessidade de evoluir a maneira como os projetos são aplicados. 

A Moove tem um case na área. No embalo do anúncio de 2019 sobre a mudança do local do Laçador, desenvolveu o Laçatour. O aplicativo permitia aos usuários posicionarem, pela câmera do celular, o monumento símbolo de Porto Alegre em qualquer lugar. O CEO diz ter sido uma boa ideia, mas os milhares de downloads não chegam perto dos milhões de impactos de outras abordagens. Neste momento, prefere apostar na simplicidade que emociona e em participações de influencers em campanhas ao invés de tecnologias ainda, de certa forma, emergentes.

Rompendo tradições

Entender que a disrupção não ocorre da noite para o dia é crucial. Quando ela chega no seu ápice, aí sim, há uma quebra de paradigma no mercado. O jeito antigo de fazer as coisas começa a deixar de fazer sentido. Nichos e oportunidades até então desconhecidos são revelados. Empresas resistentes por tempo demais podem acabar sendo engolidas por uma concorrência mais adepta à inovação. Faluba diz não ver, inclusive, consequências positivas em resistir a uma mudança necessária. 

Quem tem medo da Inteligência Artificial (IA)? O boom do ChatGPT trouxe angústia a muitos profissionais de Comunicação. Houve quem defendesse a não utilização da ferramenta, quem falasse mal da qualidade do serviço e empresas dividindo-se entre coibir o seu uso e incentivá-lo. Passado o susto inicial, as pessoas começaram a aceitar uma mãozinha robótica no seu dia a dia. 

Fuscaldo comenta ser um entusiasta do assunto. Mesmo pensando em uma perspectiva mais pé no chão, já considera a ferramenta "sensacional". Para o futuro, o olhar é unânime: os três profissionais entrevistados apostam em uma maior evolução e integração com as IAs.

Mais por menos

Tecnologias exponenciais levam a uma redução de custos, trazendo novos modelos de negócio. Aplicativos gratuitos, negócios financiados por número de acessos ou, então, por assinantes. Esta é a desmonetização. 

Períodos de teste, os "trials", entram nessa etapa. A plataforma de filmes curados Mubi oferece 30 dias para novos clientes decidirem se gostam do catálogo. A cobrança da mensalidade só se inicia após esse primeiro mês.

Já o Spotify aposta no molde "freemium". Inicialmente, o usuário não tem qualquer tipo de compromisso financeiro, mas encara propagandas entre as faixas e um limite diário para pular músicas indesejadas. Liberar essa função e desfrutar do serviço sem interrupções exige um upgrade - o pagamento do plano. 

É possível ir ainda mais além. A Adobe gera ainda mais autoridade ao investir em webinars gratuitos sobre temas em alta do Design. Negócios como a Nielsen oferecem relatórios sobre o comportamento do consumidor no  próprio site. No final das contas, quem não gosta do que é de graça? 

Na ponta do mouse

Em determinado ponto, processos que migraram para o digital tornam-se o próprio produto. Livros são palpáveis, podemos até sentir o cheiro das páginas novas. Então surgiram os e-books. Embora eliminem a sensorialidade da experiência de ler, eles estão a um clique de distância. Aos poucos, aquilo que dependia do mundo físico, desmaterializa-se. 

Quando a pandemia forçou a população mundial à reclusão das próprias casas, de repente essas mesmas pessoas decidiram se tornar a sua melhor versão. Cresce o mercado de infoproduto, com cursos on-line, e-books para estudo e graduações à distância. Não se trata mais de ofertar uma parte do serviço no mundo digital, e sim de vender algo que existe tão somente na web. Hotmart, Udemy, Coursera e outras plataformas ganharam fôlego desde então. 

O que é possível aprender com tudo isso? Tirar a fricção do processo é importante. E pode ser o diferencial entre uma venda bem-sucedida e um abandono permanente de carrinho.

O fim de uma jornada

Reza a lenda que basta um único som para transportar pelo menos duas gerações ao passado: o da conexão discando. Há poucas décadas, era difícil acessar a web por volta das 18h, quando a maior parte das pessoas voltava do trabalho. Havia quem preferia evitar o incômodo e adentrar a madrugada para usar o ICQ e mIRC e, posteriormente, Hotmail e MSN. Antes do famoso Orkut.

Olhe a internet agora. Essa é a democratização. A tecnologia foi disponibilizada a um público mais amplo e diversificado, de diferentes níveis socioeconômicos. No Brasil, a conexão chega a 84% das residências, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2023.

Assim como em todas as outras etapas, há um lado bom e um ruim a serem trabalhados. Até que ponto o Marketing está mais acessível? Fuscaldo cita o Globo Sim, plataforma self service da Globo onde é possível escolher seus canais de anúncio. A TV aberta segue inacessível à esmagadora maioria das empresas. 

Entretanto, comparado a quando pequenos negócios dependiam das páginas amarelas dos classificados de jornal, agora está definitivamente mais fácil.

O Google foi um dos grandes pivôs desse movimento de abertura. No entanto, evoluiu de tal forma que uma pesquisa comum mostra os anúncios no início e os resultados orgânicos logo abaixo. Entregas geolocalizadas fazem parte da estratégia do novo Google Profissional (antigo Google Meu Negócio) e tornam a competição, ao menos, um pouco mais justa. Para Finamor, abordagens nesse sentido crescerão ainda mais nos próximos tempos.

No final das contas, todo mundo pode ter uma rede social e divulgar seu serviço. Um pequeno negócio, pagando R$100 reais por publicidade, terá provavelmente algum resultado positivo. Contudo, competirá com muitos outros e não chegará nem perto de players que investem milhões. 

Em busca da próxima tecnologia disruptiva, o desafio é entender como agilizar processos, entregar conteúdos mais personalizados, emocionar e surpreender consumidores. Estamos na economia da atenção. Como você vai prender a de seus clientes?

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