Cansaço frente ao excesso de anúncios: o potencial da publicidade transparente

Com público apresentando sintomas de fadiga em relação à publicidade tradicional, cresce uma forma menos invasiva de apresentar produtos ou serviços

23/04/2025 10:00 / Atualizado em 23/04/2025 18:13
Cansaço frente ao excesso de anúncios: o potencial da publicidade transparente

É só passar alguns segundos nas redes sociais, que eles já aparecem. Estão por tudo. Nem mesmo pagar pela assinatura de um streaming garante que não surgirão. Ao circular nas ruas, buscar informações em portais de notícias ou mesmo durante eventos esportivos: é quase inevitável. Se os anúncios já fazem parte da rotina das pessoas há décadas, a cada dia estão mais numerosos ? e até mesmo agressivos.

Segundo dados de uma pesquisa do professor João Branco, em parceria coma empresa Provokers, uma pessoa vê, em média, mais de cinco mil anúncios por dia. Se fizermos um cálculo rápido, chegamos ao número de quase 3,5 propagandas por minuto ? muito em função da conexão e das telas.

Só que esta realidade de superexposição está causando um fenômeno que vai justamente na direção oposta. Vem crescendo uma tendência chamada de ?publicidade transparente? ou ?no ad?, que em tradução literal significaria ?sem anúncio?. O objetivo aqui é fugir dos formatos tradicionais, como os banners, anúncios pagos e comerciais.

Agressividade de anúncios pode ganhar efeito contrário

Cansaço. É esta a definição utilizada pelo professor do curso de Relações Públicas da Universidade Feevale, doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Samyr Paz, em relação à percepção do público acerca da publicidade tradicional. 

?Após anos de exposição à linguagem dos anúncios, os consumidores desenvolvem uma certa consciência das mensagens persuasivas da publicidade tradicional, tornando-se a recepção mais crítica. Isso resulta em uma redução da efetividade dos anúncios?, avalia.

Além disso, Samyr cita que aos poucos as pessoas passam a ignorar as mensagens, transformando os anúncios em meros ruídos ou inconveniência. De acordo com o professor, os usuários estão dispostos a inclusive pagar por versões de plataformas e aplicativos que removam as propagandas. ?De qualquer forma, a publicidade tradicional ainda tem seu papel estratégico e é importante no mix de comunicação de uma organização ou marca?, acrescenta.

Surgimento da economia dos criadores 

Então, quais são as alternativas para as empresas apresentarem produtos, serviços e ideias aos consumidores? Para o CEO da Divia Marketing Digital, Fernando Ferreira, o ponto-chave está na atenção. ?É a principal palavra no mundo dos negócios. E ela migrou para as redes sociais, quando surgem conceitos como os de creator economy (economia dos criadores), influenciadores e produção de conteúdo?, detalha.

Um exemplo que vem sendo utilizado há muitos anos, conforme Fernando, é o das marcas inserindo publicidade dentro de filmes e séries, de maneira sutil, como em cenas onde produtos são explicitamente consumidos pelas personagens. Agora, a realidade se transporta para o universo digital. ?Quando falamos em 'no ad', estamos pensando em uma forma não invasiva de anúncios, mais real, autêntica, que traga mais confiança ao público?, completa.

O CEO relembra que esse processo se iniciou de forma espontânea, quando as pessoas começaram a ter poder para se comunicar. Ou seja, com a ampliação do acesso aos smartphones, houve uma descentralização da produção de conteúdo. Antes, com as mídias tradicionais, a capacidade de atingir massas era muito controlada, o que muda de figura a partir das redes sociais.

E o Conteúdo Gerado por Usuários (UGC)?

Entre os principais exemplos do modelo mais transparente, está o do Conteúdo Gerado por Usuários (UGC). Esse tipo de material é cocriado em parceria com o público, como é o caso da profissional Rafaela Brasil. Trabalhando há cinco anos com o digital, faz um ano que ela se tornou oficialmente criadora de conteúdo UGC. A diferença principal em relação aos grandes influenciadores é que não há a necessidade de possuir milhares de seguidores. 

Rafaela conta que o contato com as marcas ocorre principalmente por meio do Instagram ou por meio de plataformas que conectam creators com empresas. ?Elas me contratam para criar vídeos autênticos que mostram minha experiência real como consumidora dos produtos. Meu foco é produzir conteúdos que gerem identificação e despertem o interesse do público de forma natural, sempre alinhando criatividade com estratégia, para entregar vídeos que trazem resultados?, destaca.

Pensando em Rio Grande do Sul, @byrafabrasil - como é conhecida nas redes - analisa um cenário em expansão. Ela acredita que, aos poucos, as marcas estão passando a enxergar o valor da criação autêntica, humanização e conexão real com o público. Além das amizades com outros profissionais do ramo, Rafaela frisa que enxerga a construção de carreiras sólidas no UGC, com um mercado em crescimento e oportunidades no futuro.

Redes sociais trazem novas opções às marcas

Intrinsecamente ligado a este processo está a democratização das redes sociais. O levantamento Special Report Digital 2025, da We Are Social, apontou que atualmente há mais de 98 milhões de usuários brasileiros no TikTok, enquanto que no Instagram esse número ultrapassa os 130 milhões.

De acordo com o professor Samyr Paz, é possível analisar o fenômeno pela perspectiva da Plataformização da Produção Cultural. ?Em poucas palavras, observa-se as relações de dependência sociais, culturais, políticas e econômicas às estruturas computacionais. No caso da UGC, são práticas muito dependentes dos ecossistemas do Instagram, TikTok e YouTube, influenciados por movimentos da moda e estética, com um recorte de gênero amplamente feminino?, argumenta.

Fernando lembra que as pessoas chegam a passar de seis a oito horas utilizando o celular, o que demonstra sinais de um potencial a ser explorado pelas marcas. O profissional diz que o entendimento sobre a força que está nas mãos de cada pessoa veio justamente por meio da migração para a rede social. ?A economia de criadores é muito recente, mas muito poderosa?, pontua, ressaltando o efeito que as provas sociais ocasionam.

Mas, atenção, modelo também apresenta desafios e riscos

Contudo vale lembrar que nem tudo são flores. Um conteúdo UGC agrega para as marcas no sentido de renovar a linguagem de comunicação, com o aval de usuários ?gente como a gente", afirma Samyr. Porém, não significa que essas estratégias não tenham os próprios riscos.

Por ser um mundo ainda em descoberta, não é possível ter controle total sobre ele. ?Ao associar a sua imagem a criadores de conteúdo, possíveis comportamentos antiéticos desses usuários podem prejudicar a marca?, pontua. Outro exemplo diz respeito a posicionamentos pessoais desses produtores acerca de temas que não refletem o propósito da empresa.

Ainda, o doutor em Comunicação e Informação reforça que, para a estratégia ser efetiva, pode ser necessário investir em parcerias com um número elevado de criadores de conteúdo. ?Visto que muitos destes usuários alcançam audiências reduzidas, o que pode ser um desafio na coordenação das ações e para a coesão da mensagem a ser compartilhada?, alerta.

No Brasil, nova realidade ainda está amadurecendo

Apesar de as marcas ainda não estarem aproveitando ao máximo o potencial de conteúdos considerados ?mais transparentes?, o professor Samyr constata que esta é uma realidade que aos poucos está amadurecendo e se profissionalizando por todo o ecossistema, passando pela ação das empresas, agências de Comunicação e pelos criadores de conteúdo.

Na avaliação de Fernando Ferreira, fora do Brasil este processo está mais avançado. Por aqui, ainda há muitas oportunidades a serem exploradas. Mas o ponto central é a possibilidade de gerar estratégias combinadas ao conceito de comunidade de determinado criador, aumentando a segmentação, impacto, relevância e autoridade - com um orçamento menor do seria necessário em um anúncio de televisão tradicional, por exemplo, e sem a necessidade de investir em atenção forçada, como ocorre no tráfego pago.

Samyr aponta que nos Estados Unidos, por exemplo, já está previsto que este ano o investimento em socialvídeos será 10 bilhões maior do que na TV tradicional. ?No Brasil, é necessário observar os movimentos do mercado. Os investimentos ainda ficam restritos aos megainfluenciadores, com audiências na casa dos milhões, gerando dificuldades para os pequenos e microcriadores de conteúdo?, provoca.