Comunidades digitais e o futuro da Comunicação

Entenda como as marcas se conectam ao público para se solidificar e vender mais conteúdos

Comunidades digitais não são novidade, mas estão em todo lugar. Desde os primórdios da era on-line, indivíduos têm se conectado com base em interesses compartilhados, buscando discutir temas e compartilhar experiências. Esse fenômeno capturou a atenção das marcas, que passaram a reconhecê-las como uma oportunidade valiosa para estreitar laços com os consumidores.

A partir de 2004, com a disseminação da Internet, especialistas começaram a perceber o potencial das comunidades como estratégia. Hoje, é comum deparar-se com grupos nas redes sociais que oferecem suporte a uma marca de maneira orgânica, assim como com comunidades criadas por empresas para fortalecer os laços com os clientes.

Nesta reportagem, vamos explorar como as comunidades se consolidam no campo da Comunicação, expandindo-se além das fronteiras do Marketing e estabelecendo raízes no Jornalismo. Afinal, hoje, o público não quer mais só consumir, ele também quer participar.

Eu pertenço, mas eles não

A necessidade de pertencimento é inerente à condição humana. Pessoas gostam de pertencer a um grupo, e se o mesmo fornecer benefícios, torna-se ainda mais atrativo. Camila Morales, professora de Comunicação da Uniritter, destaca que esse sentimento é muitas vezes delineado pela dinâmica do "Nós e Eles", onde integrar o coletivo confere uma sensação de importância. As marcas, atentas a esse fenômeno, passaram a adotar estratégias para fomentar esse comportamento.

Empresas renomadas utilizam as redes sociais ou até mesmo plataformas próprias para se aproximar dos clientes. No entanto, para engajar é necessário oferecer. Pertencer a uma comunidade de marca proporciona uma série de vantagens, incluindo ofertas exclusivas, acesso a conteúdos inéditos, participação ativa nos processos de decisão de produtos, além de descontos e canais de comunicação direta. Em resumo, o consumidor não apenas recebe atenção, mas também se sente valorizado.

O consumidor desempenha um papel crucial para a marca. Camila destaca a importância da criação de personas no campo do Marketing, considerando-a fundamental para visualizar para quem o produto venderá e, ao mesmo tempo, para compreender o comportamento desses clientes. As comunidades, por sua vez, emergem como fontes valiosas de informações, simplificando a compreensão dos perfis.

"A ideia é utilizar o conhecimento adquirido sobre o consumidor cadastrado. Como ele consome? Quais são suas preferências e aversões? Quais valores são relevantes para ele? Quais são as aspirações relacionadas ao propósito da marca?", explica a professora de Comunicação. As comunidades fornecem um ambiente propício para obter respostas a essas perguntas de maneira mais direta, possibilitando uma análise mais aprofundada e uma compreensão mais abrangente do público-alvo.

Munique Barboza, especialista em Marketing e CRM - um conjunto de práticas e tecnologias para gerenciar as relações com o cliente, utiliza as comunidades como estratégia. Isso inclui entender a jornada do usuário, coletar  dados e oferecer experiências personalizadas, tudo isso baseado no comportamento do consumidor. 

A especialista explica que as comunidades digitais são essenciais para gerar engajamento, deixando que o público participe de discussões. Com isso, há a extração de dados para que se entendam as necessidades desse consumidor. Quando se conhece bem o cliente, pode-se oferecer conteúdos de forma inteligente e relevante.

Segundo ela, o principal objetivo do CRM é construir relacionamentos duradouros e promover a lealdade, pois "as comunidades ajudam a incentivar clientes satisfeitos a serem defensores da marca". Munique também cita que o engajamento orgânico é uma das melhores abordagens para uma empresa, criando relevância.

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Nem todo conteúdo na internet é gratuito, apesar da livre informação correr em todo canto. Criar laços com o consumidor também pode ser lucrativo, mas como tornar isso interessante?

A resposta são os produtos "Freemium". Essa palavra é a junção de "Free" (Gratuito) com "Premium" (Conteúdos exclusivos), e serve para ajudar a formar essas comunidades. E a partir disso, surgem estratégias para que essas pessoas se tornem consumidoras, partindo para o conteúdo pago e com mais profundidade. 

Para Camila Morales, a produção de conteúdos é fundamental para abrir novas frentes de como o público pensa e consome os conteúdos pagos. "É uma via de mão dupla. Tu fornece um conteúdo e, a partir daquele conteúdo, tu tem respostas para compreender esse público", conclui. 

Isso significa que há um funil de vendas, que começa com pessoas pouco interessadas por um tema, passam para ligeiramente interessadas, e logo na ponta há pessoas dispostas a pagar por mais conteúdos. A reputação vai sendo construída gradativamente.

Influenciadores também adentraram nesse barco. Hoje se formam comunidades paralelas e até mesmo monetização de conteúdos exclusivos, o que ajuda no lançamento de novos produtos e na divulgação orgânica. Algumas comunidades  recebem conteúdos com exclusividade. Mas como essa prática, que começou no início da internet, expandiu-se na publicidade e gerou lucros no marketing, pode ser aplicada ao jornalismo?

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A Matinal Jornalismo passará por uma transformação, deixando de ser uma empresa para se tornar uma instituição sem fins lucrativos. O site do jornal já incorporou opções de assinatura anual, mensal e doações como parte dos esforços para manter as operações.

Filipe Speck, CEO da Matinal, explica que esta mudança foi motivada por dois fatores principais. "O modelo que perdurava até então de financiamento do jornalismo por meio de publicidade está retraindo, e nós não temos nada que vá nos dar uma garantia muito grande de médio e longo prazo, de receita forte." Essa decisão estratégica reflete a adaptação necessária diante dos desafios enfrentados pelo setor jornalístico, buscando uma sustentabilidade mais eficaz no cenário.

Speck destaca uma questão de movimento internacional dentro do jornalismo. Ele observa que muitos jornais locais estão adotando a transição para instituições sem fins lucrativos, pois isso está mais alinhado com os valores fundamentais do jornalismo. Assim como a transparência, a abrangência e um impacto maior do significado de ser "independente".

Camila Morales acredita que a abordagem ideal para o jornalismo é fortalecer a conexão com os leitores, proporcionando conteúdos gratuitos em troca de cadastros simples, baseados apenas no e-mail. À medida que esses vínculos se aprofundam, a compreensão das necessidades e interesses do consumidor se aprimora. Vale destacar que o site da Matinal exemplifica essa prática, solicitando apenas o endereço de e-mail para receber a newsletter.

Com o objetivo de fortalecer ainda mais seus laços com a comunidade, a Matinal anunciou a intenção de realizar reuniões mensais com seus apoiadores, seja por meio de encontros virtuais ou presenciais. 

A iniciativa visa estabelecer uma proximidade mais significativa com as pessoas que sustentam o projeto. Para o CEO, ouvir atentamente os apoiadores e prestar contas por meio de conteúdos é essencial, reforçando o compromisso com a transparência e a colaboração ativa com aqueles que tornam possível a continuidade da iniciativa.

A Matinal enxerga sua comunidade como uma valiosa fonte de feedback e destaca a  intenção de direcionar o olhar não apenas para a audiência em geral. Speck ressalta: "Claro, a audiência é importante, ela que vai medir o sucesso, é uma das métricas de sucesso, mas antes de olhar para o tamanho da nossa audiência é olhar para a qualidade da interação com essa comunidade". 

O conteúdo do portal permanece completamente acessível, mas os membros assinantes e apoiadores desfrutam de conteúdos exclusivos. Entre eles, as newsletters de colunistas e a revista Parênteses, essa última disponível em primeira mão para os apoiadores. 

Inteligência artificial nas comunidades

Como tendência no mercado de comunidades digitais, Camila Morales destaca a inserção de Inteligência Artificial (IA), que embora ainda seja inicial, tem se tornado popular. Como exemplo, cita a DeepMind, empresa focada em pesquisas e desenvolvimento de máquinas de inteligência artificial, que faz pesquisas na compreensão de grupos de internet.

Embora Camila reconheça a complexidade de emular o funcionamento do cérebro humano, ela ressalta que a aplicação da IA representa um avanço significativo na compreensão do comportamento do consumidor. Ao processar dados rapidamente, a IA tem a capacidade de fornecer análises mais aprofundadas para compreender as dinâmicas das comunidades. "Para esse tipo de configuração a inteligência artificial é perfeita, porque tu consegue conectar pessoas, tu consegue criar redes, tu consegue perceber que existem conexões entre pessoas, trocas entre pessoas sobre um determinado conhecimento", completa Camila. 

Outra tendência é a criação de plataformas independentes das redes sociais, mais personalizadas e seguras, gerando mais autonomia e segurança. Camila também aponta que conteúdos fechados e voltados para a cultura local serão mais preferenciais, pois as novas gerações estão mais na Internet, buscando cada vez mais conteúdos especializados.

As comunidades digitais são importantes para aproximar o público. A era digital construiu a noção de que não basta consumir, é preciso participar. No jornalismo, na publicidade, no marketing, ao redor de toda a comunicação, os consumidores se agrupam para serem ouvidos. Essa tendência parece crescer e moldar o mercado. 

O engajamento ativo e a construção de relacionamentos tornaram-se aspectos essenciais para as marcas, destacando a necessidade de uma abordagem centrada no consumidor em um cenário digital em constante evolução. As empresas não vendem mais produtos, precisam agora comercializar conexão.

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