Vai passar

Por Flávio Dutra

20/05/2024 15:11 / Atualizado em 20/05/2024 15:08
Vai passar

Texto publicado em março de 2020, no auge da epidemia de Covid, mas atual como nunca em tempo de desastre climático.

Os árabes são pródigos em lendas, contos e mil histórias sem fim, mas uma delas é clássica e muito apropriada para enfrentar as aflições destes tempos covidianos. É a lenda Iazul, que Malba Tahan, pseudônimo do matemático e escritor brasileiro Júlio Cezar de Melo e Souza (1895-1974), se encarregou de difundir entre nós, junto com variadas e coloridas histórias ambientadas no mundo árabe.

A lenda dá conta que um generoso e bravo príncipe da Pérsia (o Irã de hoje), certo dia, após as preces matinais, convoca urgente o sábio da corte, cuja nobre função (toda a adjetivação fica por conta de Malba Tahan) era orientar as decisões do monarca, além de esclarecer as dúvidas dele. O que preocupava o príncipe era o conteúdo de um pequeno cofre que acabara de receber: um anel de ouro, que pertencera a um potentado de Candahar.

Ao examinar o anel, o conselheiro desvendou o enigma da peça: no rico escudo em forma de tâmara, entre dois pequenos brilhantes, aparecia talhada a palavra Iazul. Entretanto, o Emir ainda se consumia em dúvidas diante da revelação, ao que o sábio se apressou  em explicar, como conta Malba Tahan:

Iazul é uma palavra mágica (...). Asseguro que é a palavra mais expressiva e eloquente entre todas as que figuram no riquíssimo vocabulário persa (...). Tem o dom de nos tornar alegres, quando estamos tristes, e de moderar as nossas alegrias, nos momentos de extrema felicidade e ventura.

E prosseguiu, desfazendo de vez o mistério, uma vez que o príncipe já estava 'p da cara', querendo saber logo o significado da palavra:

- Iazul significa, apenas? Isso passa! Ou ainda: Tudo passa! Quando o homem atravessa períodos de felicidade, de alegria cor-de-rosa, de sorte e tranquilidade, deve pensar no futuro e ser comedido em suas expansões, sóbrio em suas atividades. Convém que o afortunado não esqueça: Iazul! (Isso passa!). Há ocasiões, porém, em que nos sentimos anavalhados pelos sofrimentos, pelas enfermidades, feridos pelas desgraças, caminhando sob a nuvem da má sorte, da ruína e atingidos pelos golpes imprevistos do infortúnio. Para que o ânimo volte ao nosso espírito, proferimos, cheios de fé, fortalecidos de esperanças: Iazul! (Isso passa!).

E concluiu, após breve pausa dramática e para alívio do príncipe que não estava com muita paciência para a verborragia do conselheiro.

- Sim, tudo passa! Virão dias melhores, dias calmos, dias felizes; a prosperidade e a boa sorte voltarão a iluminar a nossa jornada; a saúde será reconquistada; a serenidade procurará pouso em nosso atribulado coração!

Claro que o talentoso e prolifico Malba Tahan conta as lendas e delas tira lições para a vida com uma maestria que este colunista bissexto não consegue alcançar.

Ao colunista só restar acrescentar, depois de abrir sua caixinha:

- Para os que se cuidaram e cuidaram dos outros, vai passar!