Vai passar
Por Flávio Dutra
Texto publicado em março de 2020, no auge da epidemia de Covid, mas atual como nunca em tempo de desastre climático.
Os árabes são pródigos em lendas, contos e mil histórias sem fim, mas uma delas é clássica e muito apropriada para enfrentar as aflições destes tempos covidianos. É a lenda Iazul, que Malba Tahan, pseudônimo do matemático e escritor brasileiro Júlio Cezar de Melo e Souza (1895-1974), se encarregou de difundir entre nós, junto com variadas e coloridas histórias ambientadas no mundo árabe.
A lenda dá conta que um generoso e bravo príncipe da Pérsia (o Irã de hoje), certo dia, após as preces matinais, convoca urgente o sábio da corte, cuja nobre função (toda a adjetivação fica por conta de Malba Tahan) era orientar as decisões do monarca, além de esclarecer as dúvidas dele. O que preocupava o príncipe era o conteúdo de um pequeno cofre que acabara de receber: um anel de ouro, que pertencera a um potentado de Candahar.
Ao examinar o anel, o conselheiro desvendou o enigma da peça: no rico escudo em forma de tâmara, entre dois pequenos brilhantes, aparecia talhada a palavra Iazul. Entretanto, o Emir ainda se consumia em dúvidas diante da revelação, ao que o sábio se apressou em explicar, como conta Malba Tahan:
- Iazul é uma palavra mágica (...). Asseguro que é a palavra mais expressiva e eloquente entre todas as que figuram no riquíssimo vocabulário persa (...). Tem o dom de nos tornar alegres, quando estamos tristes, e de moderar as nossas alegrias, nos momentos de extrema felicidade e ventura.
E prosseguiu, desfazendo de vez o mistério, uma vez que o príncipe já estava 'p da cara', querendo saber logo o significado da palavra:
- Iazul significa, apenas? Isso passa! Ou ainda: Tudo passa! Quando o homem atravessa períodos de felicidade, de alegria cor-de-rosa, de sorte e tranquilidade, deve pensar no futuro e ser comedido em suas expansões, sóbrio em suas atividades. Convém que o afortunado não esqueça: Iazul! (Isso passa!). Há ocasiões, porém, em que nos sentimos anavalhados pelos sofrimentos, pelas enfermidades, feridos pelas desgraças, caminhando sob a nuvem da má sorte, da ruína e atingidos pelos golpes imprevistos do infortúnio. Para que o ânimo volte ao nosso espírito, proferimos, cheios de fé, fortalecidos de esperanças: Iazul! (Isso passa!).
E concluiu, após breve pausa dramática e para alívio do príncipe que não estava com muita paciência para a verborragia do conselheiro.
- Sim, tudo passa! Virão dias melhores, dias calmos, dias felizes; a prosperidade e a boa sorte voltarão a iluminar a nossa jornada; a saúde será reconquistada; a serenidade procurará pouso em nosso atribulado coração!
Claro que o talentoso e prolifico Malba Tahan conta as lendas e delas tira lições para a vida com uma maestria que este colunista bissexto não consegue alcançar.
Ao colunista só restar acrescentar, depois de abrir sua caixinha:
- Para os que se cuidaram e cuidaram dos outros, vai passar!