Porto Alegre ainda vive à beira do caos

Por Márcia Martins

As enchentes que transformaram o desenho da capital gaúcha, após o início assustador de um volume de chuvas nunca antes visto a partir do dia 29 de abril, completam dois meses no dia 3 de julho, próxima quarta-feira. E, nesse período, pouco ou quase nada foi feito pela Administração Municipal para que Porto Alegre retome, ainda que gradativamente, a mínima condição de dignidade para os seus moradores: os diretamente atingidos pelos alagamentos e os que tiveram prejuízos mínimos. Não sei se é falta de planejamento (até parece), atestado total de incompetência ou a incapacidade de perceber o tamanho do desastre. 

O fato é que Porto Alegre ainda vive à beira do caos. É só sair um pouco do nosso casulo e perambular pelos bairros mais afetados. Muita árvore caída, lixo acumulado resultado de uma coleta totalmente irregular, fios de energia elétrica soltos dos postes, móveis detonados e eletrodomésticos danificados jogados nas esquinas. Sem falar no cheiro insuportável que impregnou as ruas da cidade, que já foi alegre, na lama ainda acumulada nas praças, parques e demais espaços de lazer. E nas famílias que se acomodaram embaixo de lonas ou barracas para não ficar tão longe de suas moradas pelo medo de roubos.

Uma força-tarefa deveria ter sido formada pela Prefeitura desde o dia 3 de maio, quando o nível do Guaíba passou de 4,6 metros, provocando a invasão das águas na rodoviária, ruas do Centro Histórico, Mercado Público e demais pontos próximos à Orla. E neste dia, muitas casas não tinham mais energia elétrica. No final daquele dia, o nível foi a 4,77 metros, ultrapassando o recorde da enchente de 1941. Naquela inesquecível sexta-feira de maio, todos os prognósticos indicavam que a situação dos alagamentos, que já haviam chegado aos bairros Sarandi, Humaitá, Farrapos, São João e entorno, teria capítulos mais tristes.

Pois a maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul estava apenas no começo. No dia 6 de maio, uma segunda-feira quente e ensolarada, após a água alagar ruas, inundar casas e destruir comércios da Cidade Baixa e Menino Deus, no início da tarde, lá pelas 14h, a população destes bairros foi aconselhada pelo prefeito a sair do local. Existem comentários de que o aviso poderia ter sido feito mais cedo assim que uma casa de bombeamento de água foi desligada por questões de segurança. O alerta foi tarde e muitas pessoas não conseguiram salvar absolutamente nada.

Assim, ao se percorrer as regiões que englobam os bairros mais atingidos, é quase impossível não se comover com o cenário de tragédia, a altura em que a água chegou demarcando paredes, a sujeira espalhada em todos os cantos, a tristeza estampada no olhar de quem perdeu tudo e precisa de mais agilidade da Administração Municipal para recomeçar. Não há tempo a perder. A urgência é mais do que necessária.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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