Os pensamentos de uma vida

Por Luan Pires

Esse foi meu fluxo de pensamento, hoje. Acordei pensando na Helena. Ela está tão perto de conseguir o que quer. Só precisa aguentar mais um pouquinho. Eu sei que não é fácil: a mãe critica, o pai é ausente, sente a falta de reconhecimento, como uma vela que fazem questão de apagar. Mas, eu, como Vida, sei que se ela seguir o caminho, ela vai brilhar mais e mais. Já o Sandro, se seguir o caminho que está vai continuar procurando no brilho dos outros a ocupação para não pensar no próprio brilho. Ele se sente tão vazio e cada dor que ecoa de dentro para fora dele tem uma raiva que só é acalmada quando desmerece o brilho de alguém. E depois ele se culpa e chora e diz que vai mudar. Mas, Sandro está sozinho, numa cidade que odeia seu corpo gordo, sua orientação sexual e sua performance como pessoa. Eu vejo o ódio arremessado contra ele. A defesa dele é devolver e isso vai corroendo cada vez mais sua alma. Talvez, se ele encontrasse a Andressa, que mesmo expulsa de casa por ter contado aos pais que era uma mulher trans, ele tivesse uma inspiração. A história dela não é bonita do tipo de história colorida que coloco na minha estante de histórias coloridas, mas é uma história necessária. Hoje, advogada e defensora de pessoas que se identificam como ela, viu-se como própria companhia noite adentro. Eu colocava para tocar no meio das músicas dela aquela especial que sempre a fazia se animar, ou fazia ela enxergar aquela roupa que sempre quis usar e agora podia. Mas, sei que o caminho foi tortuoso e a vitória para ela é um ponto estendido de partida. Ela sabe disso e tenho orgulho dela. Como tenho orgulho da Fabiana que sofreu um ultimato do marido: ou um filho ou a carreira e consequentemente separação. Ela escolheu a carreira. 

Um filho nunca foi prioridade para ela e quantas cobranças ela sofreu como se estivesse fugindo de uma responsabilidade imposta. Eu via o olhar corajoso dela no trabalho, o deslocamento quando perguntavam quando ela ia ter uma família e percebia ela de queixo erguido sempre focando em responder o que queria. Vi Fabiana ter dúvidas, mas quando ela disse aquela frase para o Lucas, percebi que ela sabia se cuidar: "dúvidas não são sentenças sobre nossas escolhas, são ecos de caminhos passados". Já o Lucas sem sorte no amor. Todo homem que ele acha que vai ser, não é. Quando ele começa a fazer coisas que não quer apenas para agradar aos outros, tento mostrar que a aceitação que ele busca de fora nunca veio de dentro. Agora ele conheceu Ramón, fiz eles se trombarem numa livraria (eu sei, sou clichê) e os dois se faziam tão bem. Mas acho que Lucas não estava pronto para um relacionamento saudável. Ele no fundo achava que não merecia isso. 

Queria dizer para ele que ele merecia. Merece. Sempre mereceu. Mas, é isso. É desse jeito mais ou menos a cabeça da Vida que vos fala nesta coluna, preocupada e atenta com cada um de vocês. Eu não construo o resultado, eu crio o caminho conforme os tijolos que vocês usam. Somos sócios dessa empreitada. Uma certeza que digo quando um dia começa, mas às vezes vocês não ouvem: eu, a Vida, sou tão pequena quanto um grão de ervilha. E recomeço em cada segundo de cada hora de cada dia. Contem com isso.

Com Amor, Vida.

 

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

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