Onde floresce a falsidade

Por José Antonio Vieira da Cunha

27/05/2024 15:58
Onde floresce a falsidade

A importância e a relevância do jornalismo profissional crescem nestes dias em que o clima segue dando as cartas no Rio Grande do Sul. A nova ordem climática dá contínuos exemplos de que veio para ficar, com o que agora passa a se evidenciar a necessidade, talvez mesmo exigência, de que as redações dediquem atenção especial e permanente ao tema - e, quem sabe, passem a estimular a formação de equipes de profissionais especializados em clima. 

Informação clara e precisa é o que vai nos ajudar a entender o momento e enfrentar sem titubear as falsas notícias e as distorções de fatos que seguem se avolumando pelas redes. Há uma sofisticação na maneira como as mentiras são produzidas, com a tecnologia sendo usada para disseminar o mal, a ponto de envolver figuras tão díspares como Luciano Huck e o Véio da Havan, as mais recentes vítimas de manipulação em vídeo.

O ministro Paulo Pimenta, o da Reconstrução, pediu ajuda e o colega da Justiça Ricardo Lewandowski logo acionou a Polícia Federal para que investigue a indústria de desinformações que se valem da tragédia para espalhar pânico e medo e obterem ganhos econômicos e políticos, pois é disso que se trata, pois não? Neste cenário tumultuado, uma boa notícia é o acordo assinado pela Advocacia Geral da União com Google, Kwai, Linkedin, Meta, TikTok e X para atuarem integrados contra a desinformação em um movimento direcionado especificamente para o momento vivido no Rio Grande do Sul. As plataformas se comprometeram a adotar medidas para valorizar conteúdos que tragam informação íntegra, confiável e de qualidade e disponibilizar mecanismos que facilitem o acesso a dados confiáveis sobre a calamidade, incluindo a prestação de serviços públicos.

O veneno político destilado em amplas camadas da sociedade brasileira não se dilui na imensidão de águas que cobrem as terras gaúchas, ao contrário, e é o que inclusive leva jornalistas e radialistas a serem ofendidos, desrespeitados e agredidos. São apenas portadores da mensagem ao desenvolverem sua atividade profissional, contextualizando os fatos e apresentando a dimensão dos prejuízos e histórias comoventes de atingidos e de corajosos voluntários. Na ação de sua rotina, acabam desrespeitados por aqueles que, envenenados ideologicamente, atacam a imprensa, agredindo, como salientaram as entidades da categoria, a liberdade de expressão e a própria democracia. 

A letter Meio, cuja leitura diária recomendo, trouxe no fim de semana uma reflexão importante sobre este momento e questionou por que agora acontece uma avalanche de desinformação. Para isso traz uma resposta na avaliação feita por David Nemer, professor de Estudos da Mídia na Universidade da Virginia e especialista em desinformação nas redes sociais: neste momento, estamos em plena agenda política já voltada para a eleição de outubro. ?Muita coisa que está sendo plantada durante essa tragédia vai ser reutilizada? em outubro, disse ele, acrescentando um alerta para o fato de que não há aí um movimento espontâneo. Em suas palavras, ?quando a gente tem ondas intensas de desinformação, é porque o dinheiro para as campanhas voltou?.

Mas atenção, vale muito também alertar que esta contaminação política não é exclusiva da direita nem da esquerda em nosso espectro político. É um movimento suprapartidário, um faroeste em que é difícil identificar quem é mocinho, quem é bandido, quem é da lei.

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Ruy Castro, autor de biografias espetaculares e criativo colunista na Folha de S.Paulo, lamentou a calamidade gaúcha em uma crônica com o título ?Palavras submersas? e nela lascou uma frase lapidar: ?Porto Alegre sempre foi uma cidade literária - a última em que esse tipo de tragédia deveria ter acontecido?. Amém.