Onde floresce a falsidade

Por José Antonio Vieira da Cunha

A importância e a relevância do jornalismo profissional crescem nestes dias em que o clima segue dando as cartas no Rio Grande do Sul. A nova ordem climática dá contínuos exemplos de que veio para ficar, com o que agora passa a se evidenciar a necessidade, talvez mesmo exigência, de que as redações dediquem atenção especial e permanente ao tema - e, quem sabe, passem a estimular a formação de equipes de profissionais especializados em clima. 

Informação clara e precisa é o que vai nos ajudar a entender o momento e enfrentar sem titubear as falsas notícias e as distorções de fatos que seguem se avolumando pelas redes. Há uma sofisticação na maneira como as mentiras são produzidas, com a tecnologia sendo usada para disseminar o mal, a ponto de envolver figuras tão díspares como Luciano Huck e o Véio da Havan, as mais recentes vítimas de manipulação em vídeo.

O ministro Paulo Pimenta, o da Reconstrução, pediu ajuda e o colega da Justiça Ricardo Lewandowski logo acionou a Polícia Federal para que investigue a indústria de desinformações que se valem da tragédia para espalhar pânico e medo e obterem ganhos econômicos e políticos, pois é disso que se trata, pois não? Neste cenário tumultuado, uma boa notícia é o acordo assinado pela Advocacia Geral da União com Google, Kwai, Linkedin, Meta, TikTok e X para atuarem integrados contra a desinformação em um movimento direcionado especificamente para o momento vivido no Rio Grande do Sul. As plataformas se comprometeram a adotar medidas para valorizar conteúdos que tragam informação íntegra, confiável e de qualidade e disponibilizar mecanismos que facilitem o acesso a dados confiáveis sobre a calamidade, incluindo a prestação de serviços públicos.

O veneno político destilado em amplas camadas da sociedade brasileira não se dilui na imensidão de águas que cobrem as terras gaúchas, ao contrário, e é o que inclusive leva jornalistas e radialistas a serem ofendidos, desrespeitados e agredidos. São apenas portadores da mensagem ao desenvolverem sua atividade profissional, contextualizando os fatos e apresentando a dimensão dos prejuízos e histórias comoventes de atingidos e de corajosos voluntários. Na ação de sua rotina, acabam desrespeitados por aqueles que, envenenados ideologicamente, atacam a imprensa, agredindo, como salientaram as entidades da categoria, a liberdade de expressão e a própria democracia. 

A letter Meio, cuja leitura diária recomendo, trouxe no fim de semana uma reflexão importante sobre este momento e questionou por que agora acontece uma avalanche de desinformação. Para isso traz uma resposta na avaliação feita por David Nemer, professor de Estudos da Mídia na Universidade da Virginia e especialista em desinformação nas redes sociais: neste momento, estamos em plena agenda política já voltada para a eleição de outubro. "Muita coisa que está sendo plantada durante essa tragédia vai ser reutilizada" em outubro, disse ele, acrescentando um alerta para o fato de que não há aí um movimento espontâneo. Em suas palavras, "quando a gente tem ondas intensas de desinformação, é porque o dinheiro para as campanhas voltou".

Mas atenção, vale muito também alertar que esta contaminação política não é exclusiva da direita nem da esquerda em nosso espectro político. É um movimento suprapartidário, um faroeste em que é difícil identificar quem é mocinho, quem é bandido, quem é da lei.

 ***

Ruy Castro, autor de biografias espetaculares e criativo colunista na Folha de S.Paulo, lamentou a calamidade gaúcha em uma crônica com o título "Palavras submersas" e nela lascou uma frase lapidar: "Porto Alegre sempre foi uma cidade literária - a última em que esse tipo de tragédia deveria ter acontecido". Amém. 

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

Comentários