O velho e sábio Lutz

Por José Antonio Vieira da Cunha

20/05/2024 15:40 / Atualizado em 20/05/2024 15:39
O velho e sábio Lutz

E se o velho José Lutzenberger estivesse entre nós hoje, o que pensaria disso tudo? Melhor, e se o sábio José Lutzenberger tivesse sido ouvido com mais atenção e respeito em suas pregações ambientais na segunda metade do século 20, quanto da catástrofe atual teria sido evitada?

O Coojornal, o jornal da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, foi um pioneiro, lá em 1976, a dar voz ao engenheiro agrônomo que era literalmente tido como louco. Louco de pedra, capaz de dispensar o salário de 40 mil dólares anuais de uma produtora de produtos químicos para se dedicar a cuidar da natureza, ganhando 10 vezes menos.

Está plantada no Coojornal uma sensível reportagem assinada por Elmar Bones e apresentada assim: Excêntrico, louco, inimigo do progresso e outras coisas piores eram as formas com que Lutzenberger era tratado nos meios de comunicação. Isso quando lhe davam atenção, já que os temas que ele tratava - venenos agrícolas, desmatamento, poluição da água e do mar - não frequentavam os noticiários.

Chegou mesmo a ser chamado de louco pelo secretário municipal de Obras por alertar que podar as árvores das ruas era um absurdo porque contribuía para enfraquecê-las. É o mesmo louco que já pregava, há exatos 50 anos, que a repetição de catástrofes provocadas pelas enchentes confirma que teríamos um futuro previsível: ?Se hoje os estragos são imensos e os mortos se contam às centenas, não tardará o dia em que os flagelados e os mortos totalizarão milhões. Somos incapazes de aprender com nossos erros. As advertências sempre mais dramáticas da Natureza de nada valem. Insistimos no consumo de nosso futuro?.

Lutz alertava para os prejuízos provocados pela queima de combustíveis fósseis ?em quantidade crescente tal que, hoje, o consumo anual corresponde à produção natural de mais de um milhão de anos?. Despertava atenção para o fato de que o gás carbônico do ar é um dos fatores mais importantes do equilíbrio térmico e pouco era ouvido quando avisava que o desequilíbrio do sistema ambiental seria trágico. Meio século atrás, escreveu: ?Se a consequência for um aumento de poucos graus na temperatura média planetária, desaparecerão as calotas polares e o nível dos oceanos poderá aumentar em até 70 metros. Porto Alegre, Buenos Aires, Nova York, Hamburgo, Hong Kong e muitas outras grandes cidades desaparecerão. Desaparecerão regiões inteiras?.

Poderá inclusive acontecer o contrário, refletia ele. ?A poluição da atmosfera com partículas sólidas e líquidas ? pó, fumaça, aerossóis ? está tornando a atmosfera menos transparente, ao mesmo tempo em que as partículas de impurezas servem de núcleos de condensação para a formação de nuvens. Uma atmosfera menos transparente e com mais nuvens devolve ao espaço vazio maior proporção da energia solar. Isso contribui para um clima mais frio. Caso predominar esse último efeito, voltaremos à idade glacial. As últimas tendências meteorológicas parecem estar indicando isso, o que talvez explique a atual irregularidade do clima.

Realista, ele escreveu ainda - e vale repetir, isso foi há 50 anos: ?Ninguém poderá calcular a verdadeira extensão dos estragos causados pelas inundações, tanto momentâneos como defasados no tempo e no espaço. Mas já não podemos nos espantar quando grandes oceanólogos afirmam estar convictos de que o oceano talvez já não tenha mais salvação. É preciso ter em mente que não é só pela poluição e pela pesca predatória que matamos os mares. E, se destruirmos os oceanos, teremos destruído a nós mesmos?.

Para saber mais sobre o pensamento deste louco do bem, vale conferir o ?Manual de Ecologia - Do Jardim ao Poder?, editado pela L&PM Editores.