O Apresentador do Brasil

Por Vieira da Cunha

No final de outubro de 1989 Sílvio Santos tomou uma de suas mais infelizes decisões. Apenas duas semanas antes da primeira eleição direta para Presidente da República depois da ditadura, anunciou que era também candidato. Logo me pareceu uma desfaçatez, quase uma molecagem. O quadro eleitoral já era confuso, com 22 candidaturas, e surgia ele pelo minúsculo e desconhecido Partido Municipalista Brasileiro (PMB), tão inexpressivo que seria extinto tão logo terminou o processo eleitoral. Já era um comunicador incontestável, um empreendedor notável, mas navegar no ambiente político era uma absoluta novidade para ele.

Eu era colunista semanal no Correio do Povo e não perdi a oportunidade para entrar no assunto. Entendi que melhor seria ele seguir comunicando e escrevi um texto irônico que concluía pedindo a Senor Abravanel que seguisse cuidando de seus negócios (um deles era seu Banco Panamericano, que anos depois faliria deixando um prejuízo de cerca de R$ 4 bilhões), em especial do SBT. Carlos Ribeiro, que dirigia o Correio em nome do dono, seu irmão Renato, teve a deselegância de vetar a publicação, embora não deixasse de se justificar, via telefone: não era conveniente, na sua visão, mexer com um colega empresário da comunicação. Escrito ainda no tempo das boas Olivettis, não ficou cópia do texto, que permaneceu inédito. Inconformado, achei prudente encerrar ali minhas contribuições ao Correio do Povo, do qual eu havia me demitido cerca de dois anos antes, quando era secretário de Redação.

Logo que a candidatura foi anunciada, Silvio disparou nas pesquisas e pontuava com os líderes. Dezoito partidos entraram com representação contra a candidatura extemporânea, alegando, entre outras razões, o fato de o candidato ser proprietário de uma rede de comunicação. Ao final foi mesmo barrada por irregularidades evidentes, a começar pelo fato de seu partido nanico não ter realizado as convenções que a legislação exigia. O TSE cassou a candidatura a seis dias da eleição.

Desde o início, não me pareceu que Sílvio Santos tivesse condições de exercer a presidência da República, instável e imprevisível como sempre foi, e os acontecimentos seguintes comprovaram a percepção. Intempestivo, Silvio era capaz de cancelar um programa logo após sua primeira exibição, como fez mais de uma vez. Certo dia, no início deste século, chegou anônimo a Porto Alegre e se hospedou em um hotel para ver a programação do SBT local e das emissoras concorrentes. No mesmo dia, à tarde, telefonou para o diretor regional e mandou cancelar o telejornal da manhã, que não lembro se já se chamava Bom Dia SBT, sob a alegação de que era muito ruim para dar tanta despesa.

Dava demonstrações de que brincava com a grade de programação, tanto que nos bastidores da emissora a sigla SBT era desdobrada como "Silvio Brincando de Televisão". Mesmo o Jornalismo parecia brincadeira para ele, além de se mostrar, através dele, um sabujo. Não escondia que dava ordens aos jornalistas da empresa para nunca criticar e só elogiar o governo, fosse ele qual fosse, num processo de bajulação repugnante. Uma vez, em 2008, chegou ao ponto de mandar fechar o setor de assessoria de imprensa da emissora, proibindo, pasme, a divulgação de qualquer informação, mesmo que se tratasse de alguma novidade sobre a grade de programação.

Nesta mesma época, chegou a negociar o controle do SBT para o ex-governador e ex-senador Orestes Quércia. Houve várias negociações, inclusive com rodadas de reunião nos Estados Unidos. O negócio não prosperou, felizmente, porque entregar para as mãos de Quércia seria ainda mais caótico... Era um arrivista, não há dúvidas. Alberto Dines foi quem registrou que uma vez Silvio exclamou: "Se amanhã me disserem que o país virou comunista vou perguntar, 'como é que faço para ser o chefe dos comunistas?'"

Por estas e outras, vê-se que não era mesmo um cidadão confiável para dirigir o país. Agora, como empreendedor e empresário da comunicação, nossos respeitos. Foi um monstro ao microfone e na frente das câmeras, fazendo o que ele muito gostava, ficar perto das "colegas de trabalho". Foi mesmo, como se reverenciou, o Apresentador do Brasil. Um ícone da comunicação, sim senhor. 

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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