O algoz bondoso

Por Vieira da Cunha

15/09/2025 14:41
O algoz bondoso

Que semana, hein? O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados conspiradores foi um episódio relevante de defesa da democracia brasileira. Como está sendo repetido à exaustão - o que é ótimo, para não deixar batido mesmo -, pela primeira vez no país militares golpistas que atentaram contra o estado democrático de direito foram julgados e condenados.

A vitória da democracia, no entanto, veio carregada com um porém. Ao lado da torcida do Inter, da torcida do Grêmio e das torcidas de todos os demais clubes da série A do Brasileirão, confesso: não entendi as razões que levaram o ministro Luiz Fux a absolver Jair Bolsonaro e cinco de seus aliados - ao mesmo tempo em que condenou dois acusados pelos mesmos crimes que o levaram a inocentar os outros. Incoerência pouca é bobagem. Foi um episódio estranho, contraditório, um voto que desafia a lógica. Inocentou o chefe e condenou dois de seus subordinados e aliados mais próximos, que com ele compartilhavam as intimidades do poder.

Foi constrangedor, para dizer o mínimo. Fux, que já havia condenado centenas de réus por tentativa de golpe no 8 de janeiro, resolveu entender só agora que o STF não teria competência para julgar os líderes do movimento golpista. Embora, como é público, a Corte já havia se manifestado a respeito, decidindo ser o foro competente para julgar o processo, como ocorrera em outras etapas. Assim, o que se viu foi um duplo twist carpado do ministro, que de condenador a golpistas passou a defensor de seus líderes.

É isso, em processos anteriores, avaliando acusações apresentadas pela PGR, esse Fux estava acompanhando sem contestar o relator Alexandre de Moraes, sendo categórico nas acusações e duro nas penas que ajudou a aplicar. Foi assim no caso da Fátima de Tubarão, uma das acusadas pelo 8/1: foi condenada a uma pena de 17 anos com os votos dos cinco ministros da Turma, Fux entre eles.

Fátima e as centenas de pessoas que depredaram as sedes dos poderes em Brasília foram acusadas, e mais de 500 já condenadas, pelos mesmos crimes que a PGR imputou a Bolsonaro: abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. O ex-presidente tinha uma ficha ainda mais recheada: sabia da minuta do golpe, conhecia o plano para matar autoridades brasileiras, foi refutado por comandantes militares ao tentar manobrar para golpear o resultado da eleição que perdeu.

A PGR acusou, quatro ministros do STF assinaram embaixo: Bolsonaro foi o líder de uma organização criminosa que tentou abolir violentamente o Estado de Direito e dar um golpe. Daí a surpresa, difícil de entender e aceitar, por esse Fux ter absolvido Bolsonaro e cinco cúmplices. Com seu voto a favor da impunidade, mais pareceu um legítimo e competente advogado da defesa, deixando para a posteridade a sinalização de que dentro do STF viceja a narrativa de que não houve tentativa de golpe. Deixou plantada a semente do mal, abrindo margem para que, no futuro, uma nova composição da Corte reexamine o processo e, dentro da tradicional bondade do Brasil, revogue a condenação.

Não, Fux, não. É sem anistia. Ela é inaceitável para liberar golpistas.