No túnel do tempo

Por Flávio Dutra

Permitam-me desviar o foco dos desdobramentos do desastre climático que ainda castiga Porto Alegre e grande parte do Estado, para tratar de um tema mais leve. Sucede que  a querida e competente editora Mari Bertolucci me enviou um questionário e entre as perguntas a serem respondidas para a revista digital Ba, apareceu uma inesperada: se pudesse participar de algum momento histórico, qual seria? Hoje, pediria para voltar a maio de 1941 e conferir como Porto Alegre reagiu à grande enchente que assolou a cidade naquele ano, mas sem hesitar, respondi anteriormente que gostaria de ser levado no túnel do tempo para a época em que Cristo pregava na Judéia e na Galileia.

É preciso esclarecer que não me moveu nenhum sentimento religioso, mas a curiosidade jornalística para registrar o que realmente ocorreu naquele período e o destino do pregador que foi considerado filho de Deus e, com suas lições e seu posterior sacrifício, legou à humanidade uma corrente de fé que resiste há mais de dois mil anos. 

Na incursão àquele tempo, buscaria respostas para várias indagações que persistem até hoje: Cristo realmente ressuscitou? E, depois, como foi a ascensão ao Céu, se de fato ocorreu? Como se organizaram os apóstolos após a partida dele? O que fizeram com o traíra do Judas? E o que aconteceu com as Marias, a Nossa Senhora, e a Maria Madalena? Claro que se pudesse arrancaria um depoimento exclusivo de Cristo, talvez ao final da Última Ceia, antes que os legionários o levassem para julgamento e crucificação. Aproveitaria para tentar saber se seria possível prever e prevenir todas as tragédias que a humanidade enfrentaria no futuro, entre elas as que vivenciamos agora.

É bem verdade que o Novo Testamento nos legou uma grande reportagem sobre a vida de Cristo, suas pregações e principais feitos. Sempre tive muita curiosidade, por exemplo, sobre a qualidade do vinho que resultou da água, no milagre das Bodas de Canaã. É bem verdade também que os quatro evangelistas - Mateus, Marcos, Lucas e João - não eram isentos, pois faziam parte do seleto grupo de apóstolos que seguiam o líder por toda a parte. Aliás, evangelista significa "aquele que proclama boas novas", ou seja, relata apenas notícias positivas, como se fosse um competente assessor de imprensa nos dias atuais.

Na volta do passado, se o túnel do tempo não falhasse como ocorria no seriado com esse título dos anos 1960, aproveitaria para faturar prestígio e grana, vendendo a história para os canais de streaming produzirem, pelo menos, uma minissérie.  Seria entrevistado pelo Bial, Porchat me indagaria "Que história é essa?", Boninho me convidaria para o BBB, os principais partidos disputariam meu passe para concorrer, quiçá, até a um cargo majoritário, o Vaticano me convocaria para avaliar milagres de santos em potencial e sairia mundo afora palestrando sobre o instigante tema 'Eu falei com Cristo na Última Ceia".  O cachê seria em dólar ou euros.

Vou encerrar por aqui antes que me acusem de sacrilégio e a ira divina me transporte para a era dos dinossauros e me mantenha lá até a chegada daquele meteoro. Ou, o que é pior, mande mais chuva para o Continente de São Pedro.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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