Não foi só acidente climático. É crime e incompetência

Por Márcia Martins

06/06/2024 16:57 / Atualizado em 06/06/2024 16:56
Não foi só acidente climático. É crime e incompetência

Moradora do bairro Cidade Baixa desde agosto de 2019, já havia enfrentado algumas tempestades, em volumes bem impressionantes, mas não de forma contínua. A praça quase na esquina do meu apartamento, por vezes, ficava com um certo acúmulo de água, o cachorródromo onde costumo levar o cusco para brincar apresentava poças razoáveis e alguns carros respingavam restos da chuva nos pedestres. Tudo dentro do previsto e do suportável. Afinal, não temos o poder de frear ou estancar um fenômeno da natureza.

Mas existem políticas adequadas para atenuar os efeitos drásticos de um volume excessivo de chuva. As cidades precisam ter gestores com responsabilidade para a questão climática e preparar um plano de contingenciamento principalmente quando todos os alertas meteorológicos indicavam um cenário preocupante. Ao planejar e estabelecer estratégias de gestão para prevenção, mitigação e adaptação de eventos climáticos extremos, vidas podem ser salvas, danos reduzidos e impactos não tão traumáticos.

Porto Alegre, das 27 capitais brasileiras, está na lista das 15 que não têm um planejamento para lidar com eventos climáticos extremos, como ficou retratado com as inundações severas que atingiram a cidade desde o final de abril. A informação consta do levantamento do Instituto Jones dos Santos Neves, que é vinculado à Secretaria de Estado de Economia e Planejamento do Espírito Santo, revelado pelo jornal "O Globo" em 12 de maio.

E na segunda-feira, 6 de maio, exatamente há um mês, moradores da Cidade Baixa tiveram que abandonar suas casas, levar os pertences que conseguiram juntar, procurar abrigos em casas de familiares ou amigos. A mesma situação foi vivida pelos moradores do Menino Deus e do Centro. Juro que não acreditei ao olhar a praça e ver a água subindo, todo o entorno alagando e as ruas já quase impossibilitadas de serem acessadas. E sem falar na tragédia de outros bairros, como Sarandi, Farrapos, São João, Humaitá, na Zona Norte da cidade.

Fundamental ressaltar que não foi só um acidente climático. No caso da Cidade Baixa e do Menino Deus, o prefeito foi avisado no meio da manhã de 6 de maio do desligamento da Estação de Bombeamento que atende a Região. Não era preciso muita inteligência para imaginar que, com o volume de chuva que já alagara o Centro, com a água vertendo da Orla em direção aos dois bairros e sem o escoamento da água ? uma vez que a Estação de Bombeamento não estava funcionando ? algo pior iria acontecer. Mas o aviso para evacuar chegou só lá pelo início da tarde.

Acidentes climáticos ocorrem e devem ser cada vez mais frequentes frente à destruição da natureza. Mas deixar que um acidente assuma proporções dramáticas é crime e incompetência do gestor público. Lembrar de administrações anteriores, como seguidas vezes o prefeito Sebastião Melo tem feito para tentar reduzir sua responsabilidade, não é a melhor atitude neste cenário de vidas perdidas, casas destruídas, lembranças afog adas e um período difícil e penoso de recomeçar tudo do zero.

E se alguém imaginar que estou sendo severa, vou recordar que na manhã da última segunda-feira (3/junho), quando muitos moradores da Cidade Baixa e Menino Deus recém haviam iniciado a limpeza do que restou de suas casas, as ruas foram novamente alagadas. Resultado do desligamento da Estação de Bombeamento 16, próxima à Rótula da Cuias para um trabalho de manutenção. Muita incompetência em tão pouco espaço de tempo. Respeito zero com a população. É crime impedir que as pessoas vivam com dignidade.