IN FORMA

Por Marino Boeira

MEMÓRIAS PERDIDAS

A cada ano que passa, dois entre os mais importantes acontecimentos da história do Brasil são menos lembrados: a morte de Getúlio Vargas em 1954 e o movimento da Legalidade liderado por Leonel Brizola em 1961.

Como estamos num ano eleitoral com a prevista eleição de um novo prefeito de Porto Alegre, candidatas do PDT e do PT/ PSOL, Juliana Brizola e Maria do Rosário estiveram na praça da Alfândega para lembrar Getúlio junto à sua carta testamento.

À candidata do PDT, como neta de Brizola, sobram razões para essa lembrança, mas à representante do PT/ PSOL o fato soou como um claro oportunismo político. A justificativa para o gesto foi a presença no ato de grupelho que tenta resgatar a imagem de um partido, o velho PTB, cuja memória Leonel Brizola buscou apagar quando rasgou publicamente em dezembro de 1981, um papel com as letras P, T e B, do seu Partido Trabalhista Brasileiro, cuja sigla o representante da ditadura, o general Golbery havia entregue à Ivete Vargas.

Caso não lembrem dessa imagem, talvez se recordem do que escreveu o nosso maior poeta, Carlos Drummond de Andrade, sobre o gesto de Brizola: "Vi um homem chorar porque lhe negaram o direito de usar três letras do alfabeto para fins políticos. Vi uma mulher beber champanha porque lhe deram esse direito negado ao outro. Vi um homem rasgar o papel em que estavam escritas as três letras, que ele tanto amava. Como já vi amantes rasgarem retratos de suas amadas, na impossibilidade de rasgarem as próprias amadas".

Até o dia 7 de setembro, quando João Goulart, em 1961, tomou posse em Brasília como Presidente da República, haverá tempo para lembrar o grande movimento que foi a Legalidade.

Muitos dirão que a posse de João Goulart, ainda que num regime parlamentarista, urdido num conchavo de velhas raposas políticas como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães com os militares que poucos anos depois derrubariam o governo com o golpe de 64, foi uma prova do espírito conciliador do povo brasileiro.

Poucos dos atuais candidatos serão capazes de lembrar que a luta pela Legalidade em 1961 foi a última grande oportunidade que o Brasil teve de fazer finalmente a revolução social que permitiria a transformação numa grande potência mundial.

Quem viveu aqueles tempos ou se informou depois sobre eles, lendo nossos melhores historiadores, sabe que pela última vez no século passado e no atual, a correlação de forças era favorável aos movimentos populares que apoiavam à Legalidade.

Naqueles dias, no final de agosto e início de setembro de 1961 havia um povo que se armava através de sindicatos e organizações políticas e tinha ao seu lado o maior e mais forte contingente militar do País, o Terceiro Exército, a Brigada Militar e uma liderança política, Leonel Brizola, dispostos a pagar para ver.

Infelizmente a oportunidade foi perdida e logo as elites políticas que dominavam o País desde a Independência retomaram o controle da situação.

Certamente nenhum dos candidatos (as), mesmo as que se dizem de esquerda, como Juliana e Maria do Rosário, comungam dessa visão sobre os fatos passados. Obviamente Melo e Camozato também não.

Em vez disso os candidatos aproveitarão os seus espaços na mídia para falar de quem foi e quem não foi o responsável pelas enchentes de maio e de todos seus projetos requentados sobre como deverá ser a Porto Alegre do futuro.

Então, para o eleitor mais esclarecido política e historicamente será difícil optar por um dos nomes propostos e talvez o mais correto seria dizer um "Não" para todos eles.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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