IN FORMA

Por Marino Boeria

OS ANALFABETOS POLÍTICOS

O brasileiro faz questão de desconhecer a História. Por isso transforma em heróis quem nada fez por merecer essa distinção. Bertolt Brecht escreveu 'é infeliz o país que não tem heróis, mas mais infeliz ainda é aquele país que precisa de heróis'. Esse parece ser o caso do Brasil.

Na semana que passou a mídia, jornalistas e figuras públicas fizeram um esforço enorme para transformar em heróis duas das mais tristes figuras da vida pública nacional que morreram.

Primeiro foi Delfin Neto, ministro da ditadura militar, que tornou famosa aquela frase cheia de cinismo, pensando na economia do País: "É preciso primeiro fazer crescer o bolo para depois distribuir as fatias". O bolo cresceu como nunca durante alguns anos com o dinheiro que veio de fora, mas nenhuma fatia foi distribuída para os pobres.

Mesmo assim um coro de elogios, puxado pelo presidente Lula transformou num patriota, quem durante toda a vida foi um entreguista da pior espécie.

Mas o ápice da falta de memória dos brasileiros foi com a morte de Sílvio Santos. Um homem que usou todos os veículos de comunicação que teve nas mãos para bajular os ricos e poderosos. Para ganhar um canal de televisão, transformou os generais presidentes, que chancelaram até a tortura durante a ditadura, em heróis da Pátria.

Mesmo assim foi saudado por políticos que ainda se dizem de esquerda, começando pelo presidente Lula e por gente que via no camelô, que Silvio nunca deixou de ser, alguém que trouxe para a televisão uma linguagem popular. Em oposição ao estilo refinado tecnicamente da Globo, Silvio Santos teria dado espaço para a fala do povo. Alguém viu nisso até um gesto democrático, esquecido que o que ele fazia era reforçar a ignorância e a falta de cultura da maioria do nosso povo.

Em vez de procurar tirar seus ouvintes e telespectadores do pântano da ignorância e da falta da cultura, reforçava em seus programas e na sua linguagem, essa condição. Manter o povo na ignorância dos seus direitos e na aceitação de uma sociedade injusta foi o que Sílvio Santos fez durante toda a sua vida de comunicador.

O mais triste agora é ver pessoas como o comunicador Breno Altmann e candidatos de partidos que se dizem de esquerda, como Juliana Brizola, ajudarem a divulgar essa falácia.

Que o presidente Lula faça isso era até esperado, porque foi dele o pedido para "não remoer o passado", quando entidades que representavam os mortos e desaparecidos da ditadura militar pretenderam lembrar o golpe de 1964.

Mesmo assim, essa unanimidade de elogios que se viu e ouviu no fim-de-semana é assustadora porque ela indica que figuras como Delfin Neto e Sílvio Santos vão se suceder na vida brasileira e terão outra vez os aplausos de milhões de pessoas, aquelas que Bertolt Brecht chamou de analfabetos políticos.

 

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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