IN FORMA

Por Marino Boeira

14/08/2024 18:10 / Atualizado em 14/08/2024 18:07
IN FORMA

O VILÃO DE ONTEM É O HERÓI DE HOJE

O maior defeito do brasileiro na política é esquecer os que lhe fizeram mal e mais do que isso, valorizar essa atitude, o esquecimento. Talvez tenha a ver com essa pregação moral que o acompanha desde o nascimento que valoriza o perdão. Basta o sujeito morrer e todos seus crimes são perdoados e ele vira um benfeitor da humanidade.

Veja-se os longos 21 anos da ditadura militar que felicitaram a vida de milhões de brasileiros. Nenhum dos que contribuíram para ela ou pior, dela se locupletaram, foram chamados a pagar pelo que fizeram. Generais foram para casa com suas polpudas mordomias e coronéis, mesmo aqueles que se dedicaram à abominável prática da tortura, como o coronel Brilhante Ustra, jamais foram cobrados. Bolsonaro até o elogiou publicamente. Muitas daquelas tristes figuras foram homenageadas com nomes de ruas, centros esportivos e até escolas, algumas aqui no Rio Grande. Castelo Branco é nome de uma grande avenida na Capital; Médici, um ginásio esportivo em Bagé e Costa e Silva , por incrível que pareça, de uma escola pública, o  Colégio Estadual Presidente Arthur da Costa e Silva, localizado na Rua Baden Powell, 409 - Sarandi,       

Então, não deveria ter causado espanto que a morte, no início da semana, de Delfim Neto fosse motivo para lembrar como um elogio que ele foi o construtor das bases materiais da ditadura que começou em 1964. Como ministro da Fazenda nos governos de Costa e Silva e Médici, foi ele com um cinismo exemplar que desenvolveu aquela famosa tese capitalista de que ?antes é preciso fazer crescer o bolo para depois dividir suas partes?. Hoje, o seu obituário lembra que ele foi o autor do chamado ?Milagre Brasileiro, mas esquece de dizer que ele foi construído com endividamento externo e com o arrocho salarial dos trabalhadores.

Tanto quanto os generais e seus cúmplices que mandavam prender, torturar e matar, desde 1964, Delfin foi o sujeito que serviu o aparato burguês que o golpe militar visava apoiar. O modelo de uma sociedade burguesa excludente para a maioria da população, foi obra de Delfim Neto.

O  que deveria causar espanto é ler e ouvir o presidente Lula, que chegou à Presidência para representar os interesses principalmente da população trabalhadora e mais pobre, tivesse falado de Delfim Neto como se fosse alguém engajado na mesma luta. E fez pior,: lembrou que em 2006, quando já tirara a máscara de líder operário, pedirá desculpas públicas a Delfim Neto pelas críticas que fizera antes quando ainda representava os trabalhadores.

Mas o que esperar de Lula que, quando os verdadeiros democratas lembravam os 60 anos do golpe militar de 1964, esse ano, se negou a participar de qualquer ato oficial alusivo à data?  E fez mais: disse que os brasileiros não deveriam ficar remoendo seu passado histórico.

Então, não deve ser surpresa alguma os panegíricos que a imprensa e os políticos fazem a memória de Delfim Neto. Logo vai aparecer um parlamentar propondo dar seu nome a alguma avenida, possivelmente em São Paulo, que sempre foi a sede de suas maquinações contra o povo brasileiro.

Quem sabe São Paulo trocar aquela sua famosa avenida, a 9 de Julho, para Avenida Delfim Neto? Afinal, 9 de julho comemora uma revolução que não houve, a de 1932 e Delfim Neto foi uma realidade, ainda que triste, para a vida de todos os brasileiros, inclusive os paulistas.