IN FORMA

Por Marino Boeira

O VILÃO DE ONTEM É O HERÓI DE HOJE

O maior defeito do brasileiro na política é esquecer os que lhe fizeram mal e mais do que isso, valorizar essa atitude, o esquecimento. Talvez tenha a ver com essa pregação moral que o acompanha desde o nascimento que valoriza o perdão. Basta o sujeito morrer e todos seus crimes são perdoados e ele vira um benfeitor da humanidade.

Veja-se os longos 21 anos da ditadura militar que felicitaram a vida de milhões de brasileiros. Nenhum dos que contribuíram para ela ou pior, dela se locupletaram, foram chamados a pagar pelo que fizeram. Generais foram para casa com suas polpudas mordomias e coronéis, mesmo aqueles que se dedicaram à abominável prática da tortura, como o coronel Brilhante Ustra, jamais foram cobrados. Bolsonaro até o elogiou publicamente. Muitas daquelas tristes figuras foram homenageadas com nomes de ruas, centros esportivos e até escolas, algumas aqui no Rio Grande. Castelo Branco é nome de uma grande avenida na Capital; Médici, um ginásio esportivo em Bagé e Costa e Silva , por incrível que pareça, de uma escola pública, o  Colégio Estadual Presidente Arthur da Costa e Silva, localizado na Rua Baden Powell, 409 - Sarandi,       

Então, não deveria ter causado espanto que a morte, no início da semana, de Delfim Neto fosse motivo para lembrar como um elogio que ele foi o construtor das bases materiais da ditadura que começou em 1964. Como ministro da Fazenda nos governos de Costa e Silva e Médici, foi ele com um cinismo exemplar que desenvolveu aquela famosa tese capitalista de que "antes é preciso fazer crescer o bolo para depois dividir suas partes". Hoje, o seu obituário lembra que ele foi o autor do chamado "Milagre Brasileiro, mas esquece de dizer que ele foi construído com endividamento externo e com o arrocho salarial dos trabalhadores.

Tanto quanto os generais e seus cúmplices que mandavam prender, torturar e matar, desde 1964, Delfin foi o sujeito que serviu o aparato burguês que o golpe militar visava apoiar. O modelo de uma sociedade burguesa excludente para a maioria da população, foi obra de Delfim Neto.

O  que deveria causar espanto é ler e ouvir o presidente Lula, que chegou à Presidência para representar os interesses principalmente da população trabalhadora e mais pobre, tivesse falado de Delfim Neto como se fosse alguém engajado na mesma luta. E fez pior,: lembrou que em 2006, quando já tirara a máscara de líder operário, pedirá desculpas públicas a Delfim Neto pelas críticas que fizera antes quando ainda representava os trabalhadores.

Mas o que esperar de Lula que, quando os verdadeiros democratas lembravam os 60 anos do golpe militar de 1964, esse ano, se negou a participar de qualquer ato oficial alusivo à data?  E fez mais: disse que os brasileiros não deveriam ficar remoendo seu passado histórico.

Então, não deve ser surpresa alguma os panegíricos que a imprensa e os políticos fazem a memória de Delfim Neto. Logo vai aparecer um parlamentar propondo dar seu nome a alguma avenida, possivelmente em São Paulo, que sempre foi a sede de suas maquinações contra o povo brasileiro.

Quem sabe São Paulo trocar aquela sua famosa avenida, a 9 de Julho, para Avenida Delfim Neto? Afinal, 9 de julho comemora uma revolução que não houve, a de 1932 e Delfim Neto foi uma realidade, ainda que triste, para a vida de todos os brasileiros, inclusive os paulistas.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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