In forma

Por Marino Boeira

19/06/2024 10:30 / Atualizado em 19/06/2024 15:34
In forma

OS DEZ ANOS QUE ABALARAM O BRASIL

Quem viveu aquela época sabe. Quem não viveu, deve procurar nos jornais, livros e nos testemunhos dos que a viveram para saber o que foram aqueles dez anos que começaram precisamente no dia 24 de agosto de 1954 e terminaram oficialmente no dia 31 de março de 1964.

O 24 de agosto começou com o anúncio do suicídio de Getúlio Vargas no Palácio do Catete no Rio de Janeiro e se transformou num dia memorável para os brasileiros. Nas principais capitais do País e especialmente em Porto Alegre, pela primeira vez na nossa História o povo tomou para si o papel de condutor dos fatos políticos.

Naquele inesquecível dia, uma população enfurecida pela morte do seu líder maior e subitamente consciente de quem eram os responsáveis por ela, saiu às ruas para puni-los. E o fez de uma forma a não deixar duvidas de que ela sabia o que buscava. Quem quiser lembrar o que aconteceu, basta procurar nos arquivos dos jornais as fotos da população atacando os principais alvos da sua ira: o imperialismo norte-americano e a grande mídia.

Em Porto Alegre, o consulado dos Estados Unidos na esquina da Marechal Floriano com a rua dos Andradas foi invadido e totalmente depredado; as sedes dos veículos dos Diários Associados, o Diário de Notícias, na rua da Praia em frente à praça da Alfândega e a Rádio Farroupilha no Viaduto da Borges com a Duque foram queimados.

O Brasil se dividia a partir daí em dois grandes campos. De um lado um novo governo a partir de 1955, chefiado pelo mineiro Juscelino Kubitschek , que mesmo realizando um governo desenvolvimentista e aberto aos capitais internacionais, era obrigado a permitir a criação de fortes correntes políticas de inspiração nacionalista e até mesmo revolucionárias.

É nesse quadro que se destaca a figura de um grande líder político , Leonel Brizola, do qual lembraremos no próximo dia 21 de junho os 20 anos de sua morte. A sua extraordinária campanha pela Legalidade em agosto e setembro de 1961 mobilizou as forças populares do Brasil numa dimensão que superou mesmo os acontecimentos de 24 de agosto de 54.

Foi o momento em que o Brasil esteve na sua história mais perto de fazer a sua revolução social como já tinham feito outros povos (os russos, os chineses, os mexicanos e os cubanos) no século XX

A Legalidade não foi, porém, um acontecimento político isolado naquela década. Vivíamos no Brasil um ambiente pré- revolucionário, visível nas manifestações políticas, mas também representado na vida cultural das grandes cidades. O farol a iluminar esse ambiente era a Revolução Cubana, vitoriosa nos primeiros dias de 1959. A mídia, na época basicamente os jornais, não estava somente nas mãos das classes conservadoras. O PCB tinha um importante semanário nacional, o Novos Rumos, enquanto o jornal Última Hora, principalmente na sua edição regional do Rio Grande do Sul era ostensivamente a favor dos movimentos operários. Brizola tinha criado em Porto Alegre um jornal, O Clarim, com o mesmo espírito. No teatro, na música e no cinema, a UNE (União Nacional dos Estudantes) desencadeara uma enorme campanha nacional em favor de uma revolução brasileira. Basta ver os títulos das suas peças levadas ao teatro, como: A Mais Valia Vai Acabar Seu Edgar e Eles Não Usam Black Tie, para saber quais eram seus objetivos. No cinema, Nelson Pereira dos Santos transformara em filme a denúncia da exploração dos camponeses filmando Vidas Secas de Graciliano Ramos, enquanto na música se cantava a Canção do Subdesenvolvido, de Carlinhos Lyra uma verdadeira aula de história do Brasil em versos , que termina assim ? Embora pense, dance e cante como desenvolvido / O povo brasileiro / Não come como desenvolvido / Não bebe como desenvolvido / Vive menos, sofre mais/ Isso é muito importante / Muito mais do que importante / Pois difere os brasileiros dos demais / Pela... personalidade, personalidade / Personalidade sem igual / Porém... subdesenvolvida, subdesenvolvida E essa é que é a vida nacional!

No dia 31 de março, o imperialismo norte-americano, a grande burguesia nacional e a igreja Católica, criaram as justificativas para que as Forças Armadas dessem o golpe de estado, acabaria com o sonho de um Brasil realmente independente e ficassem no poder 21 anos.

Quando saíram, foi somente com um grande acordo que visava sepultar para sempre o sonho de um país independente de Brizola e outros grandes líderes políticos e no seu lugar surgisse uma oposição consentida e limitada em seus objetivos, como a que existe até hoje.

Um retrato dessa época tentei traçar no meu romance Brizola e Eu, disponível para compras em Amazon Livros e no site da editora Kotler Editorial. O personagem principal do livro, Márcio Garcia interage com personagens fictícios e reais, caso principalmente de Leonel Brizola.