Era pra falar só em silêncio

Por Flávio Dutra


Sei lá, acho que com o avanço da idade a gente fica menos tolerante ao barulho e passa a cultuar o silêncio como uma manifestação de civilidade e respeito anti-etarismo. Falo em causa própria: nada me incomoda mais no trânsito do que mania dos nossos motoristas de usarem a buzina de forma desproporcional. 

Devia ser infração gravíssima e não apenas leve como prevê o artigo 227 do Código Nacional de Trânsito o uso exagerado do equipamento, próximo a hospitais, por exemplo. A penalidade é multa, mas acho que deveriam recolher o veículo e suspender por um bom período a CNH do motora barulhento. Aliás, o portalegrense é um péssimo e incivilizado motorista.

Esclareço que só uso a buzina, sempre com um toque breve, como prevê e legislação, quando cruzo ruas onde possam aparecer, de  surpresa, outros veículos que não respeitem a preferencial ou como alerta à pedestres distraídos,

Não estou sozinho nesta cruzada anti-barulheira e de culto ao silêncio. Só que os exemplos são de  um patamar bem mais qualificado nas reflexões. " Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela", afirmava Albert Einstein. Pablo Neruda expressa bem o culto à quietude como valor no poema O Silêncio: 

Agora contaremos até doze
e ficaremos todos quietos. 
Por uma vez sobre a terra
não falemos em nenhum idioma,
por um segundo nos detenhamos,
não movamos tanto os braços.

Seria um minuto flagrante,
sem pressa, sem automóveis,
todos estaríamos juntos
em uma quietude instantânea.

Poetas e escritores têm especial predileção pelo silêncio. Vamos a mais exemplos: 

"Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão". (Cecília Meireles)

"O campo para que a palavra se instale para o autor e para o leitor é o campo do silêncio e da audição". (Adélia Prado)
Para Michel de Montaigne , "O silêncio, tal como a modéstia, ajuda muito numa conversação".

Eu só queria falar em silêncio, derivou para buzina e chegou à poesia. Só que essa misturança não dá rima, pois enquanto faço essas citações de luminares da palavra, os sujeitos continuam buzinando adoidado lá fora, mas aqui vou continuar buzinando contra os buzinadores.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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