Era do Gelo em Porto Alegre

Por Márcia Martins

Houve um tempo, num passado nem tão distante assim, que eu gostava do inverno, das possibilidades de encontros aconchegantes que a estação trazia, da mordomia de estender os pés no sofá da sala bem protegidos por cobertores e buscar séries nos serviços de streaming para maratonar nos finais de semana e cozinhar canjas fumegantes para esquentar as noites mais frias. Mas não me lembro (posso estar totalmente enganada) de um inverno tão rigoroso como este que se apresenta em 2024. Nada me esquenta, nada me anima e não tenho vontade de colocar o nariz para fora de casa.

E hoje, posso dizer categoricamente que eu odeio o inverno. Com todas as forças que me restam nestes dias de temperaturas baixas e que me derrubam de espirros e calafrios. Com todas as lembranças de invernos passados em que podia voltar para casa às 4 horas da madrugada, de saia curta, e sem nenhum arrepio de frio. Com as memórias de festas de quando era mais jovem e nem me importava com o termômetro indicando menos de 8 graus. Juro que não sou bipolar que, às vezes adoro o frio e outras nem tanto. E digo sem medo de me arrepender que eu não gosto mais do inverno.

Não sei se é porque ele chegou, neste ano, de uma forma tão brusca (sim, ele está no seu período certo), ou se dominou as ruas de Porto Alegre ainda tão feias e emburradas com os vestígios da enchente quando ainda a dor das águas nos inundava, ou se é simplesmente porque o inverno não é mais uma estação que me deixa feliz, que me entusiasma, que me apaixona e me cativa.

Parece que em Porto Alegre estamos vivendo na Era do Gelo e que nem o mamute Manfred e nem a preguiça Sid tem coragem de sair às ruas para resgatar o bebê humano órfão.

Sei que tenho compromissos a cumprir, exames de saúde a serem feitos, agendas políticas que me exigem, visitas que não podem ser tão adiadas e uma penca de tarefas na rua a serem realizadas. Mas este inverno me trancou dentro do apartamento, que nunca se mostrou tão frio como agora.

Até escrever parece mais complicado. Porque a inspiração costuma chegar sempre de noite, quando as temperaturas diminuem e os meus dedos ficam quase imóveis sem conseguir teclar muito no notebook. Prometo voltar na próxima semana mais animada e menos encolhida. Ou esperar que Mamute e Sid venham me resgatar.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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