Em causa própria

Por José Antonio Vieira da Cunha

Qualquer pesquisa que se realize hoje sobre os processos de comunicação identifica que o mais comum entre os consumidores de informação é o relato de que não leem mais jornais e revistas nem veem televisão ou ouvem rádio em busca de atualização; declaram explicitamente que é através das redes sociais que acompanham o que se passa ao seu redor e no mundo. Instagram, para ficar em um exemplo, confirma que atua para isso e possui características que o tornam atraente para a veiculação de notícias e informações, como a instantaneidade, sua mobilidade e o alcance de públicos, em especial o jovem. 

O que se vê é que Facebook, Google, Insta, Tik Tok, YouTube e mesmo o X trabalham ferozmente para ampliar suas formas de relacionamento - e os mecanismos para de fato cativar este povo - com os públicos-alvo, o que leva empresas e instituições a pagarem para impulsionar seus conteúdos. E nelas divulgar suas propagandas. Então, esta é a realidade: agem como verdadeiros veículos de comunicação, mas se apresentam como sendo tão somente "empresas de tecnologia", geralmente voltadas para ações de entretenimento e diversão. É a forma que encontram para tentar simplificar o processo quando, na verdade, tentam mesmo é fugir da responsabilização pela disseminação irresponsável de conteúdos que a lei proíbe.

Nesta quadra é relevante lembrar uma decisão que, mesmo não tendo força de lei, serve de parâmetro. Ainda em 2019, o Cenp, o Conselho Executivo das Normas Padrão, que regula a atividade publicitária, reconheceu que essas plataformas digitais são sim veículos de comunicação ou divulgação, o que as enquadra, para efeitos da legislação, na mesma condição de todo e qualquer ente jurídico que tenha receitas decorrentes de propaganda.

Não foi de graça que estas empresas lutaram tenazmente contra o debate em relação ao que se convencionou chamar de PL das Fake News. O que pregava o projeto? O estabelecimento de normas relativas à transparência das redes sociais e sua responsabilização no combate à desinformação, assim como um forte incremento no estímulo à transparência das ações na internet. 

A estratégia de pressão deu resultado, a campanha lobista minou o apoio ao projeto e o debate em relação ao tema foi congelado em abril passado, quando o presidente da Câmara, o alagoano Arthur Lira, retirou o assunto da pauta anunciando a criação de um grupo de trabalho para elaborar proposta de regulação das plataformas digitais. Conseguiu o que queria, e o tema segue hibernando, com o ambiente digital livre e solto para favorecer a propagação tanto de informações verdadeiras como falsas.

Está na hora de cutucar para que a discussão a respeito evolua.

Como estamos operando neste ambiente que parece mais uma terra sem lei, a sociedade tenta se proteger como pode. Agora mesmo, a Associação Nacional de Editores de Revistas, a Associação Nacional de Jornais, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão e outras instituições se uniram para promover peças institucionais voltadas para combater a desinformação sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. A tentativa é de alertar os consumidores de informação a refletir e, especialmente, a checar o que recebem antes de tocar adiante. São tantas as informações falsas e fraudulentas que mesmo as instituições sérias de jornalismo profissional operam com dificuldades para combatê-las. 

Neste campo minado, a boa notícia da semana veio do STF, que estabeleceu como ilegítimo e mesmo criminoso o assédio judicial contra jornalistas, reconhecendo a prática como uma forma de atentar-se contra a liberdade de expressão e de imprensa. Sabemos como o assédio funciona: descontente com determinada notícia ou reportagem, o "prejudicado" aciona o profissional de imprensa ou seu veículo em diferentes comarcas de diversos estados, na tentativa de inviabilizar os esforços de defesa e atingir seu objetivo em pelo menos uma das tantas comarcas, com a condenação do "réu". A sentença do STF não proíbe que o "prejudicado" ajuíze quantas ações quiser, mas estabelece que todas sejam julgadas em conjunto e no domicílio do profissional. Sábia decisão.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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