Dias melhores para sempre

Por Márcia Martins

16/05/2024 12:31
Dias melhores para sempre

Não sou uma fã do Jota Quest. Pelo contrário. Por manifestações políticas do vocalista, o Rogério Flausino, até dei alguns CDs que eu tinha da banda. Sim, eu sou daquele tipo que defende posicionamentos alinhados aos meus quanto ao futuro do País. Mas, enfim. Sigamos. E, ao acompanhar este cenário trágico em que se encontra o Rio Grande do Sul, atingido desde o final de abril por um volume inigualável de chuvas, preciso me apropriar de uns versos da música "Dias Melhores", do grupo mencionado acima. Mais do que nunca, os gaúchos e gaúchas precisam ser otimistas e acreditar que amanhã será um novo dia.

Então, "vivemos esperando dias melhores, dias de paz, dias a mais, dias que não deixaremos para trás, vivemos esperando o dia em que seremos melhores, melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo", diz a letra. Não me classifico como otimista. Mas creio que o momento é de exaltar a resiliência dos desalojados, a coragem de recomeçar dos desabrigados, a vontade de viver daqueles que perderam entes queridos. E, principalmente, acreditar que, ao final desta tragédia que desolou o território gaúcho, sairemos, sim, melhores.

Seremos melhores no amor que exercitamos ao próximo, que muitas vezes nem conhecemos, mas entendemos o tamanho da sua dor ao olhar agradecido quando recebe as doações. Seremos melhores na dor, a nossa e a dos que perderam tudo nas águas que varreram suas casas, mas ainda assim demonstram fé na vida que virá. E seremos melhores na administração da nossa dor. Porque quantas vezes reclamamos de encrencas tão pequenas da nossa rotina, pensando elas são insuportáveis, e ao ver a situação das 80 mil pessoas em abrigos (*) no Rio Grande do Sul, passamos - pelo menos os que tem um pingo de humanidade - a compreender melhor o que é dor.

Depois de passar por tudo isso, um desastre climático sem precedentes (e que poderia sim ter sido minimizado com ações de gestores responsáveis **) - mesmo os que não foram diretamente atingidos, isto é, nada perderam, além de produtos da geladeira pela falta de energia elétrica, e tinham moradas de parentes para buscar proteção - não tenho a menor dúvida de que sairemos melhores em tudo. Claro que tal crença reside unicamente naqueles que sabem exercer a empatia, que não cegam os olhos para ignorar o que ocorre à sua volta e que levantaram a bunda (perdão pelo termo) do seu sofá para a mínima ação de solidariedade.

Durante a pandemia da Covid-19, que a partir de março de 2020 nos obrigou a meses intensos de confinamento, muitos diziam que o mundo viveria, após um certo controle do coronavírus, um novo normal. E eu sempre enfatizei que se tratava de uma doença e não de um milagre. Da mesma forma, aqui no nosso Estado, não acredito em milagres após a reconstrução das casas, das vidas, do comércio e de tudo que foi danificado. Quem enxerga apenas o seu umbigo, o Alecrim Dourado, continuará seguindo a sua vida tranquila, banhada com itens supérfluos e navegando nas regalias. Mas os que têm algum sentimento, eu não tenho a menor dúvida de que viverão dias melhores para sempre.

(*) número atualizado até as 16h30 de quarta-feira (15/maio);

(**) em respeito aos 149 mortos e seus familiares, evito, neste momento, falar neste assunto.