Dias difíceis

Por José Antonio Vieira da Cunha

Não há outro assunto possível nestes dias trágicos.

Primeiramente, por favor, não politizemos o socorro.

Nesta quadra da tragédia, voluntários suplicam por doações de roupas íntimas, embalagens para marmitas, pratos e utensílios descartáveis, material de construção e móveis. Lavadoras de roupas também são bem-vindas nas centenas de abrigos que proliferaram pelo Rio Grande do Sul ferido. E livros, muitos livros, porque são incontáveis os casos de bibliotecas públicas e escolares abatidas pela violência da água.

Esta tragédia inimaginável evidenciou o despreparo dos poderes públicos para lidar com fenômenos climáticos extremamente adversos. Não tem explicação o descaso com a manutenção de estruturas colocadas para proteger a cidade. Não falo nem dos portões enferrujados do muro da Mauá, que tantas vezes clamamos para ser derrubado, mas das casas de bomba, itens que deveriam ser rotinas na operação do DMAE. E o impensável aconteceu: nas águas que hoje cercam o muro, o nível da água no centro da cidade ficou mais alto do que o nível no lado do rio!

Guardemos bem estes três nomes: Alef Fontoura, Daniel Lima e Ewaldo Becker. Três remadores do Grêmio Náutico União que, valendo-se de sua experiência na lida com a água, deixaram de disputar o pré-olímpico da categoria para ajudar as vítimas da enchente. Como consequência da renúncia, estão fora da Olimpíada em Paris. O trio merece medalha de ouro na categoria Humanismo. 

A pirataria na internet é um mal devastador. Em 2023, sites e plataformas de download ilegal de conteúdo receberam 230 bilhões de postagens, e neste triste ranking o Brasil está na 13ª posição entre os países com mais acessos a plataformas piratas. Pois são estas mensagens bandidas que, mais uma vez e de novo, estão aí, trazendo ainda mais dificuldades para o trabalho de resgate das vítimas das cheias. Mentem que governos desviam o dinheiro de doações, mentem que autoridades dificultam ações de ajuda, mentem que donativos são descartados por incapacidade de manuseio, e nesta toada criminosa seguem na tentativa de tumultuar e desesperançar vítimas e voluntários.

Pode ser incluído nesta batida o episódio de caminhões parados nas estradas, dando munição aos arautos da desinformação e turbinando disputas políticas, como o triste caso do governador de Santa Catarina postando mensagens com o evidente propósito de faturar em cima da calamidade. Em vez de informar a autoridade federal sobre a irregularidade que teria constatado, optou por lacrar no Instagram. Aqui, evidenciou-se a odiosa polarização política que persiste e insiste em permanecer em nosso ambiente social.

Idem para o acontecido com o repórter da RBS TV, Arildo Palermo, hostilizado por moradores de Porto Alegre ao apresentar um boletim ao vivo. Foi na quarta-feira passada, obrigando o jornalista a interromper o trabalho em que mostrava uma tenda improvisada de atendimento médico. "Vocês que são da Globo não prestam, desserviço da Globo", vociferava o inconveniente cidadão, ao mesmo tempo em que exaltava Record e SBT e tentava ofender William Bonner, o qual não teria "mais autoridade aqui em Porto Alegre". Como se o apresentador tivesse tal poder... Se quiser conferir esta patacoada, está aqui mesmo no Coletiva.net.

Arildo, tamo contigo. É graças ao trabalho de jornalistas como tu que estamos atualizados em relação ao drama no Rio Grande do Sul e informados sobre as melhores maneiras para ajudar os irmãos e irmãs que precisam de ajuda material e espiritual. Tua profissão é maravilhosa, como escreveu a colega Márcia Martins aqui.

E não recebeu a devida atenção o pronunciamento oficial do Sindicato dos Jornalistas do RS e de federações internacionais da categoria. Ao mesmo tempo em que repudiam a disseminação de notícias falsas e conteúdos criminosos, afirmam estar em curso, "sem precedentes, a tentativa de fomentar rebelião do povo brasileiro", enquanto big techs, gestoras e responsáveis por plataformas digitais e órgãos da justiça, "com incumbência de interpelar tais violações, estão inoperantes". A afirmativa é grave, e, se as entidades sindicais estão mesmo convencidas de que há uma insurreição, levante ou sublevação em movimento, devem formalizar a acusação junto ao Judiciário. Imediatamente!

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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