Declarações que jamais deveriam ter sido ditas

Por Márcia Martins

23/05/2024 14:32 / Atualizado em 23/05/2024 14:31
Declarações que jamais deveriam ter sido ditas

Um provérbio chinês ensina. "Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida". Desde que o Rio Grande do Sul mergulhou na maior tragédia climática de sua história, a partir do final de abril com chuvas volumosas, numa enchente até então sem similares e que atingiu mais de 90% das cidades do Estado, o despreparo das autoridades competentes para lidar com o cenário do caos chega a ser um desaforo e até um deboche com as 75 pessoas desaparecidas, 806 feridas, mais de 2,3 milhões afetadas pelos alagamentos e um desrespeito com os 162 mortos.

Tanto o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, como o prefeito Sebastião Melo, de Porto Alegre, ignoram o provérbio chinês e proferem a todo momento declarações que jamais deveriam ter sido ditas. Porque mais do que desastrosas, irresponsáveis e ultrajantes, são uma afronta à dor de tantos gaúchos e gaúchas que viram suas vidas sendo levadas pelas águas, suas memórias se perderem na correnteza das chuvas, seus bens comprados depois de muita economia destruídos e suas casas completamente demolidas.

O governador do Estado precisa ter, em primeiro lugar, independente do que acontecer, a consciência de que foi eleito para governar para todos, buscar resolver os problemas, sejam eles pequenos ou grandes, e não desprezar nenhum fato em detrimento de outro. Logo, foi totalmente infeliz e perdeu uma excelente oportunidade de ficar quieto ao reconhecer em entrevista ao jornal Folha de São Paulo ter conhecimento de estudos indicando a possibilidade de fortes chuvas e inundações no Rio Grande do Sul, mas que o governo tinha outras agendas.

Depois de ver a repercussão, Eduardo Leite tentou explicar que foi uma manchete utilizada pelo jornal para mobilizar as redes e que talvez ele não tenha se expressado bem. Não entendo, juro por tudo que é mais sagrado, que não vejo nada mais prioritário do que a vida das pessoas atingidas pelas cheias, da preservação das cidades destruídas. E, por isso, tenho certeza - como fala o provérbio chinês - que o governador perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado. Que a resposta venha nas urnas, em qualquer próxima eleição a que ele se candidatar.

E para não ficar atrás, Sebastião Melo, que foi alertado por engenheiros do Dmae sobre problemas importantes em quatro estações de bombeamento meses antes da cheia em Porto Alegre e que provocou milhares de desalojados na capital, que ignorou a necessidade de investimento em sistema de proteção contra as chuvas, resolveu colocar a culpa nos moradores da cidade. "Essas pessoas que estão acolhidas em abrigos, ou na casa de amigos, nunca deveriam morar onde moram", afirmou o prefeito em entrevista ao Jornal Nacional, referindo-se aos diversos problemas enfrentados pelos moradores do Sarandi, Farrapos, Humaitá, Centro Histórico, Menino Deus, Cidade Baixa e de tantos outros bairros afetados.

Quer dizer, além de serem desalojados, desabrigados, perderem suas casas, suas roupas, suas lembranças, seus móveis, seus documentos e todos os inúmeros problemas decorrentes da enchente que vitimou os moradores de Porto Alegre, segundo o prefeito Sebastião Melo, eles são os culpados já que residem onde não deveriam. É sempre mais fácil e mais cômodo jogar a culpa da nossa incompetência e omissão nos outros, não é? Que a resposta venha nas urnas, em qualquer próxima eleição a que ele se candidatar.