Coopítulo 82 - Avança a crise

Por Vieira da Cunha

O final da década de 80 testemunhava tempos delicados, com a censura rondando ou atravancando as principais redações do País. O editor Elmar Bones relembraria anos mais tarde que, nesta época, queríamos jogar no limite da censura, e sabíamos que esse limite era muito além de onde ia o jornalismo.

Como era praticamente impossível identificar o que seria este limite, o jornal passou a apostar forte em temas pesados através da história - abordando com exaustão temas como o autoritarismo, a escravidão, revoluções...

Em agosto de 1979 o Coojornal enfrentava um momento delicado, "perdendo o ímpeto, exatamente por falta de uma perspectiva", refletiria Elmar em conversa interna. O jornal apresentava déficits há cerca de seis meses, vendia menos e tinha menos inserções publicitárias do que em seus momentos mais gloriosos. Uma ideia para sacudir o editorial seria incorporar articulistas com renome nacional, como Alberto Dines, Darcy Ribeiro, Bernardo Kuscinski, Ferreira Gullar e Flávio Tavares, todos declarados admiradores públicos do Coojornal.

Na área prática, a Cooperativa dos Jornalistas começava a viver ali momentos difíceis. Como já relatei antes, estava se formando então a tempestade perfeita: uma inflação galopante somada a uma pressão violenta do governo sobre os anunciantes e clientes. Por isso o Coojornal começava a ver uma situação crítica se avolumar cada vez mais, sem horizonte de retorno ao saudável equilíbrio dos primeiros tempos.

A receita editorial do jornal estava em sua maioria calcada na política, dando atenção reduzida para temas como cultura e comportamento e em certas edições, fruto do desequilíbrio econômico, sem pelo menos uma reportagem de fôlego. "Em geral, estamos no caminho certo, mas temos dado muita reportagem superficial e repetitiva, sem nada de novo, às vezes muito aquém do que saiu na imprensa", pregava Elmar. "Precisamos fugir dos assuntos e dos enfoques convencionais, a menos que tenhamos informações exclusivas."

Elmar foi didático: para ele, matéria sobre inflação só teria sentido se o jornal contasse a história dela, que começou com um embaixador, o Barão de Mauá, como o Delfim em Paris, que levava 2% de um empréstimo que conseguiu. Daí pra frente, desta dívida com a Inglaterra, que era maior do que o dinheiro corrente que o Brasil tinha, nunca mais a roda inflacionária parou. Ou então fazer uma matéria na Casa da Moeda, sobre a emissão de dinheiro e o atiçamento que provoca na inflação.

O editor também defendia entrevistas mais elaboradas, longe da fórmula do Pasquim, em que vários entrevistadores falavam às vezes de forma caótica, em certos momentos ofuscando o próprio entrevistado. E pregava aí uma espécie de entrevista-biografia, para levar a pessoa entrevistada a falar de sua vida. Um bom exemplo seria o de Sobral Pinto, autoridade só entrevistada para analisar o regime, o autoritarismo, o desrespeito às leis - sem que se detalhasse quem era este cidadão na intimidade, o que lia, o que trazia de lições da infância e da adolescência.

'Quando o veículo começa a sofrer pressões do governo e dos clientes, a ideia de fazermos um jornalismo mais objetivo, sem adjetivações, acaba sendo minada", relembraria depois Elmar. O enfoque agressivo traz como consequência o contrário do pretendido, com uma perda gradual de leitores, em um momento em que a grande imprensa começa a abrir asas e dar mais espaço à voz oposicionista ao regime. A qualidade editorial também despencava em função da asfixia financeira. "Normalmente, a remuneração é que determina a qualidade de um jornal", refletiria mais tarde Osmar Trindade, que havia me sucedido na presidência da cooperativa. "É muito difícil realizar um trabalho de qualidade quando se ganha pouco", agregou, numa referência aos níveis de remuneração praticados em sua fase final pela Coojornal, ela que antes se orgulhava de oferecer a seus associados rendas acima das médias do mercado. Na crise, faltavam recursos até para a aquisição de jornais e revistas...
Em abril de 1983 ainda sobrevivia a esperança de o Coojornal voltar a circular, mas a prioridade, ali, era buscar o saneamento financeiro da própria cooperativa.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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