Coopítulo 81 - Uma vez, há cinquenta anos

Por Vieira da Cunha

Era a tarde de um sábado invernal como o último 24 de agosto, exatos cinquenta anos atrás, quando 66 idealistas se reuniram para fundar um empreendimento que seria um marco na história do Jornalismo gaúcho, a Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre. Foi uma iniciativa pioneira no Brasil de um grupo de profissionais que se inquietavam com os rumos e posicionamentos da imprensa nos anos 70, no auge da ditadura militar iniciada 10 anos antes. O que nos movia era o desejo de os próprios trabalhadores serem proprietários de um jornal no qual a orientação editorial e o comando de todo o processo fossem exercidos pelo grupo de profissionais envolvidos.

Uma cooperativa proporcionaria isso, já que nela os próprios cooperados detêm o controle do negócio e estão diretamente comprometidos com os resultados. Nela não há um capitalista a ditar as regras, já que todos os associados são donos, com direitos e responsabilidades iguais. Já contei aqui a origem, vale repetir por sua relevância.

Jornalistas são sempre movidos por inquietações, dúvidas, ceticismos e questionamentos, como acontecia com o grupo de jovens jornalistas, em sua maioria, que atuavam na Folha da Manhã, um diário que circulou nos anos 1970 no Rio Grande do Sul, filhote mais moço da Folha da Tarde e do Correio do Povo, todos da empresa Caldas Júnior. Os rumos da profissão, as incertezas sobre a orientação editorial ditada pelo patrão, o futuro do jornalismo eram temas frequentes nas conversas deste pessoal nos encontros fora da redação. Que não eram poucos nem breves; iniciavam-se ali pelas dez da noite, a partir do momento em que as editorias iam encerrando suas atividades, e se estendiam até uma, duas da madrugada. Dúvidas e inquietações ficavam suspensas, à espera de um próximo encontro, que poderia muito bem ser no dia seguinte, e geralmente na Churrascaria Itabira, no bairro Menino Deus.

A vontade de ter um jornal de jornalistas era latente e permanente. O ponta-pé para a adesão ao cooperativismo surgiu ali por março de 1974. Eu era editor de Cidade na Folhinha e estava lendo o Jornal da Tarde, diário paulista que se destacava por suas ousadias editoriais e gráficas, quando vi uma pequena notícia sobre o diário Il Giornale, de Milão. Marcou-me o fato de que se tratava de um jornal cujo dono era uma cooperativa de editores. O estalo veio na hora e apresentei a sugestão àquele grupo que se reunia informalmente para debater os rumos do Jornalismo. Por que não criarmos uma cooperativa de jornalistas para colocar na prática ideias tantas vezes sonhadas e nunca executadas? O assunto foi para a mesa de bar naquela mesma noite, amadureceu e em poucos dias estávamos conversando a respeito, agora de forma muito séria, cada vez mais dedicados a estudar aquela novidade.

Uma novidade que rendeu inúmeros frutos. Nos oito anos de sua agitada e rica existência, a Coojornal, como foi conhecida, editou inúmeras publicações, criou uma agência de notícias e possuiu um parque gráfico no qual somente não havia impressora. O crescimento foi rápido: pouco mais de um ano depois, em novembro de 1975, a Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre estava com quase 200 associados, um capital de 500 mil cruzeiros (cerca de dois milhões de reais modernos) e editava o Jornal do Inter e outros cinco veículos para terceiros. No auge de sua atuação, no final dos anos 70 do século 20, era a fonte de renda principal ou secundária de cerca de 100 profissionais, entre repórteres, redatores, editores, diagramadores, fotógrafos, todo o elenco envolvido com a edição de alguma publicação. Uma delas era o anuário Ano Econômico, que fazia um pioneiro levantamento sobre a grandeza da economia do Estado. Outra era o histórico Coojornal, o mensário que foi considerado um dos mais importantes da imprensa alternativa no Brasil dos anos de chumbo. 

Tudo era resultado da dedicação daqueles cooperados que eram, antes de tudo, empreendedores, e acreditavam fielmente naquela jornada que estavam construindo. Uma jornada que trouxe muitas vitórias, incontáveis alegrias, e alguns desencantos e decepções, como não seria diferente em uma organização que reúna pessoas questionadoras e muitos jovens idealistas.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

Comentários