Aquilo que o cachorrinho ensinou

Por Luan Pires

19/07/2024 15:46
Aquilo que o cachorrinho ensinou

A semana não tinha sido boa para Gabriel. Era uma sexta-feira e ele chegou cambaleando em casa. Não que ele estivesse bêbado ou machucado, estava apenas exausto. Não falo aqui de uma exaustão física, mas mental. O chefe, a colega, o pai, a esposa, os amigos... Todos tinham suas demandas e expectativas. Todos cobravam. Todos criticavam. Todos julgavam. A sensação que ele tinha era que vivia correndo atrás do rabo. Fazia a mais, ligava de surpresa, mandava um presente, convidava pra sair, ouvia desabafos... Mas, na primeira falta dele parecia que tudo tinha sido em vão. Como se o esforço fosse invisível a falha, por mais contestável, sempre fosse barulhenta.  

Não eram dias vivendo assim, eram anos. Era o viver dele. Eu, como Vida, sei que conviver comigo nem sempre é fácil e muito menos faz sentido. Para Gabriel, chegar em casa era como retirar uma máscara e ver surgindo um rosto seco e em decomposição. Quem era ele? Quem ele deveria ser? Foi quando seu cachorro percebeu que ele estava em casa e veio correndo até ele. Rabinho balançando pra lá e pra cá. Olho brilhando de felicidade. Patinhas fazendo barulho e querendo desesperadamente tocar nele. Segurou-o no colo não se importando com os pelos nas roupas. Sentiu a língua dele brincando de encontrar seu rosto e o corpo rebolando de um jeito engraçado como se a presença de Gabriel o fizesse dançar sem perceber. Gabriel poderia não saber quem era. Mas o seu cachorro sabia: era a pessoa que ele esperava todo dia ansioso. Era quem brincava com ele e quem lhe alimentava e levava a lugares mágicos. Gabriel se sentia um nada, mas para aquele cachorrinho ele era tudo.

Abraçou o cachorro e viu que ele não queria ser abraçado. Ele queria brincar. O animal começou a correr pra lá e pra cá, empinando sua bundinha, latindo e chamando o homem para se divertir. Gabriel pensou em mandá-lo calar a boca, mas lembrou-se da chefe que o interrompeu na frente de todos. Gabriel pensou em deixá-lo brincar sozinho, mas lembrou dos amigos que tinham outros planos para aquele dia. Pensou em fingir que estava dormindo, mas lembrou-se da mãe que não poderia receber o seu presente porque aquela era a hora do sono dela. 

Decidiu levantar. Correu com seu cachorro pra lá e prá. Pegou aquela bolinha velha e mastigada e arremessou longe, não se importando com os móveis e a bagunça. O cachorro pulou de felicidade e foi atrás. Voltou correndo querendo mais. Ficaram assim longos minutos até ele decidir correr pelo pequeno pátio com ele. O animal vinha e se afastava, querendo ser pego e querendo fugir, ao mesmo tempo. 

Uma hora depois, Gabriel deitou na grama molhada pensando que teria que esfregar aquelas roupas. Mas, logo o pensamento passou quando seu cachorrinho deitou-se no seu peito, descansando ao seu lado. Ele viu uma estrela começar a nascer no céu. Pensou que aquelas horas brincando com o seu cachorro lhe deram mais felicidade do que uma vida inteira de trabalho. Poderia até ser verdade que cachorros correm atrás do próprio rabo sem nunca alcançá-lo. Mas, humanos fazem isso com a felicidade e no caminho ainda destroem a alma dos outros. Na soma das contas, ele preferia os animais. 

Eu sussurrei para Gabriel que viver era correr atrás do rabo e não se sentir idiota por isso. Ele sorriu. 

Com Amor, Vida.