A reinvenção do rádio

Por Flávio Dutra

O rádio, que se previa morrer com o advento da TV, é a mídia que mais tem revelado capacidade para se reinventar. As mudanças recentes começaram com  o fim da onda média, OM ou AM, que popularizaram o rádio e garantiam a localização das emissoras no dial. Outro dia percorri o AM de ponta a ponta e consegui ouvir, em meio a chiadeira, três emissoras de baixa potência e programação religiosa.  A Guaíba, que ainda resistia nos 720, também acaba de suspender suas transmissões em onda média. Mesmo o dial do FM vai perdendo status para as captações via Internet. 

O mais recente anúncio da Rádio Gaúcha, com justos louvores à cobertura da enchente, ignora completamente na ilustração da peça gráfica aquilo que conhecíamos por receptor de rádio, o radinho portátil na maioria dos casos, optando por uma tela de computador. Na tela aparecem três comunicadores da casa e aí está outra revolução ligada ao rádio: a transmissão com imagens, que virou obrigatória nas emissoras jornalísticas, sobrecarregando os profissionais na ponta, mas proporcionando uma prestação de serviços extra, muitas vezes mais ágil do que a das TVs, que teriam a responsabilidade primária de gerar imagens dos locais reportados.

Esse processo de casar as imagens dos estúdios ou das reportagens nas ruas com a programação ao vivo começou com a Jovem Pan em 2007, quando foi dado um passo decisivo para a consagração da emissora como veículo multiplataforma. Com a criação da Jovem Pan Online, o que era só áudio passou a ter imagens, permitindo aos, até então apenas ouvintes, assistirem à programação na Internet. Deu tão certo que a estratégia logo foi imitada pelas concorrentes paulistas e hoje está disseminada entre as emissoras de conteúdos jornalísticos em todo o país. 

Outro processo irreversível que está impactando a radiofonia é o dos podcasts. Extensão e desdobramento das programações, atrações com variedade de temas, acessíveis a qualquer tempo, os podcasts, segundo estimativa do relatório Global Podcast Listener Forecast possuem mais de 39 milhões de brasileiros como ouvintes. A previsão é de que cheguem a 52,4 milhões de ouvintes no próximo ano. Com esse crescimento significativo no país, os podcasts passam a se desapegar do rádio tradicional e consolidam-se como um meio de comunicação importante e versátil. 

Também sobressaindo-se do rádio convencional, com transmissores, antenas e dependentes de concessão e regulações do governo, as rádios web já são uma realidade presente em todo o mundo. Para começar, mudou radicalmente a forma de captar as transmissões e o fenômeno no Brasil tem muito a ver com o fato de possuirmos hoje mais dispositivos digitais do que habitantes. São cerca de 450 milhões em uso, entre notebooks, tablets, smarthphones e computadores. Em consequência dessa revolução tecnológica, que não é exclusividade brasileira, surgiu e cresceu a migração da radiodifusão para a Internet (streaming). Nesse contexto, surgiram também as emissoras 100% Web, com funcionamento apenas pela internet. Hoje, qualquer cidade, comunidade, grupo social ou empresa pode ter seu serviço de rádio.

A consolidação das rádios web pode ser medido pelo que já se constata nas transmissões de futebol no competitivo mercado gaúcho. Em recente rodada de fim de semana do Brasileirão, as chamadas jornadas esportivas identificadas com esse ou aquele clube, se impuseram em audiência sobre as rádios tradicionais. A rádio do colorado Baldasso manteve a liderança, muito à frente das concorrentes, e a jornada do gremista Alex Bagé assumiu a segunda posição, que era da poderosa Rádio Gaúcha, enquanto as outras emissoras que transmitem futebol ficam bem atrás na preferência dos ouvintes vermelhos ou azuis,

Em síntese, o rádio sempre soube se adaptar às inovações tecnológicas ofertadas a cada tempo, bem como às mudanças sociais decorrentes da Internet e pela convergência das mídias, proporcionando, assim, novas alternativas de produção, veiculação e consumo permitidas pelas redes sociais e plataformas digitais.

Entretanto, para além das soluções tecnológicas e formatos, o que continua agregando valor, credibilidade e opção pela audiência, é o conteúdo qualificado e/ou bem direcionado dos veículos jornalísticos em geral e do rádio em particular, como ficou mais evidente na cobertura, ágil e abrangente, da tragédia climática que assolou o RS recentemente.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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