A palavra do ano

Por Flávio Dultra

Se tivéssemos no Brasil o hábito de escolher a palavra do  ano, por certo  haveria uma disputa forte em 2024 entre resiliência e narrativa? Resiliência leva uma pequena vantagem, especialmente aqui no Estado, por conta da tragédia climática, que banalizou o termo em entrevistas, reportagens e segue firme sendo citada nos comerciais em todas as mídias. 

O mais  interessante é que a palavra passou a ser sinônimo de resistência, embora, mesmo parecidas, signifiquem situações um tanto diferentes. Para dar contexto e exemplificar, uma pessoa resistente enfrenta bem as situações adversas, aguenta os desafios e a pressão. Já a pessoa resiliente também supera os problemas, mas sempre aprende algo a mais com as dificuldades enfrentadas e passa por elas com leveza e sabedoria. A resiliência, portanto, é uma resistência turbinada ou, ainda, a resistência em modo de boa.

Estudiosos da matéria identificam três tipos principais de resiliências: a emocional, que tem a ver com a saúde mental;  a acadêmica, que diz respeito às questões do aprendizado e a social, sobre a capacidade de manter relacionamentos positivos. Entretanto, outro dia ouvi um importante ministro da República garantir que as pilastras de uma nova ponte a ser construída no interior do RS seriam "muito mais resilientes". Desse modo tranquilizou os usuários da travessia e acabou criando a "resiliência estrutural". Por essa e por outras é que resiliência segue na frente para a seleção da palavra do ano. 

Narrativa, porém,  deve recuperar terreno logo que as campanhas eleitorais esquentarem. O termo vai aparecer com frequência nos debates em rádio e TV. Será mais citado que "estado democrático de direito" e "fascista".  Diferente da confusão que se faz com resiliência e resistência, narrativa veio a substituir um quase sinônimo, a versão. Além disso, narrativa ganhou uma certa conotação pejorativa.  Rimou e é verdade, pois é usada para desqualificar alguma denúncia ou versão que depõe contra alguém. A defesa do denunciado vai alegar que  a narrativa do denunciante não corresponde à verdade. É só narrativa, portanto, ou um roteiro marcado por interesses questionáveis.

Outro vocábulo que despontou bem, mas perdeu força com a volta à normalidade foi o gratidão, acompanhado na sua versão gráfica por aquele emoji das mãozinhas juntas.  

E assim narrativa e resiliência  seguem firmes na disputa, embora precisem  tomar cuidado com  outra palavra, de apenas três letras, que está conquistando todos os espaços esportivos e aparece com insistência nas mídias externas:  KTO! 

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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