À Margem

Fernando Puhlmann

Chegando na margem esquerda, bem na pontinha dela, enxergava-se a curva do rio, a curva que mudou a vida dele, da mãe e dos seus dois irmãos.

A mãe disse que para melhor, ele duvidava disso, mas não tinha coragem para contrapor, só pensava na resposta, mas calava, ainda não era hora de externar isso. Ele ia todo o dia até essa pontinha e ficava olhando para ver se Deus havia atendido o seu pedido. Quando o sol caía, ele voltava para casa, um rancho pobre, de madeira, Brasilit e pedaços de papelão, que ficava na metade da quadra, que desembocava no Ibirapuitã.

Não importava se era frio ou calor, apenas quando chovia muito forte que ele não ia até lá, nos outros dias, batia ponto. Os amigos não entendiam muito o porquê, mas ele também não fazia questão de explicar. Na margem oposta, havia uma plantação de arroz, numa tarde, ele estava com tanta fome que chegou a atravessar o rio a nado na esperança de colher um pouco do grão para mãe ter o que fazer para os filhos. Foi em vão, descobriu que arroz não nasce pronto.

Tinha vontade de pescar, até pegou alguns lambaris, mas depois ficou com medo que o rio ficasse brabo com ele por isso e não lhe devolvesse o que tanto esperava.
No inverno, o rio aumentava, crescia e chegava algumas vezes na porta da casa dele. Nunca entrou. Se entrasse, ele o acolheria, na expectativa de ver se assim ele e o rio ficariam amigos e trocariam presentes. Era um sonhador, a mãe não parava de repetir. Ele calava.

Nas noites mais frias, o Minuano batia nos papelões que cobriam as frestas das paredes e passava para dentro, ele aproveitava esse momento para conversar com o vento. Pedia a ele, que ia a todos os lugares, que fosse os seus olhos e o ajudasse a encontrar o que tanto buscava. Nunca tivera resposta, embora ele tivesse certeza que era entendido.

Uma noite, já bem tarde, ele ouviu vozes do lado de fora, acordou e correu para porta, o vento com certeza tinha conseguido achar o que ele tanto esperava e o trazido pela curva do rio até a sua casa.

Quando abriu a porta, a escuridão do mar de água doce não o permitiu enxergar muita coisa, ele ainda chegou a gritar o nome do pai, na esperança de ter razão, mas ele sempre fora apenas um sonhador.

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