Sobre maternidade e leitura: uma declaração de amor

Por Roberta Trevisan, para Coletiva.net

Existe uma grande vantagem em cultivar o ritual da leitura com os filhos antes de dormir: encerrar bem o dia. Não vou falar sobre os benefícios do hábito de ler - prefiro fazer isso por meio das histórias que escrevo com a protagonista Matilda -, meu ponto aqui é o momento escolhido para fazer isso com as crianças.

A noite traz introspecção. Costumo aproveitá-la para analisar onde errei, onde acertei, onde cresci e onde ainda sou pequena. Quando abrimos o livro diante da luz tênue e entramos na história juntos, não importa se o dia que passou foi uma brisa ou uma tempestade - agora teremos nosso instante de troca, alegria, zelo, intimidade e, se preciso for, de trégua. Ficamos, então, a centímetros um do outro - e depois colados -, e nessas horas costumo agradecer a mim mesma pelo novo xampu infantil que comprei, pois invariavelmente afundo meu nariz nos seus cabelos. Às vezes paro de ler para beijar pálpebras, pés, pontas de nariz e bochechas, até uma vozinha se erguer: "- Chega, mãe, continua a história".

Quando sinto uma mão tão pequena acariciando meu rosto enquanto leio, penso na beleza da vida, e é bem comum que uma lágrima acompanhe - ou interrompa - a leitura. As razões do meu choro normalmente passeiam pela ideia de que um dia essas mãos serão grandes - estarei então diante de dois homens - e a leitura em voz alta feita pela mãe será apenas uma memória. 

Se nessas horas alguma pergunta tormentosa cruzar meus pensamentos - "fui uma boa mãe hoje?" - e for mal respondida internamente, encontro consolo no fato de termos agora os olhos na mesma direção - ou em direção ao outro - e a mente formando imagens a partir das mesmas letras no papel. Estamos de fato juntos, seja nas palavras, seja no silêncio que as antecede e dá o tom ao que não pode ser dito. Lembro de uma passagem de um livro de Daniel Pennac: "a história lida a cada noite preenchia a mais bela das funções da prece". É isso: a história contada antes dos sonhos é um momento sublime - tão revestido de humanidade que é capaz de fazer contato com o divino.

Compartilhar a leitura é escolher as palavras do outro para dizer "eu te amo", porque às vezes nos faltam meios próprios para falar, mas também serve para simplesmente mostrar que você está ali. Somos humanos, somos iguais; pode ter certeza de que o recado chega da mesma forma: seu filho vai ouvir a declaração de amor enquanto sua boca estiver recitando as palavras do livro.

Bernardo e Antonio, quando apagamos o abajur e ficamos abraçados, dividindo o travesseiro até pegar no sono, tenho cochilos de inspiração, que costumo transformar em texto. Obrigada por tanto, vocês estão em cada linha.

Roberta Trevisan é escritora e delegada da Polícia Civil.

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