O Marketing é o culpado

De Max Lacher, para o Coletiva.net

Crédito: Arquivo Pessoal

Ao longo do século passado e do início deste, as empresas sofreram uma série de transformações e agora elas estão vivendo um novo momento de decisão, talvez mais crítico que os anteriores, onde elas terão que mudar, mais uma vez, pois, o que faziam até hoje, não atende mais às necessidades do momento. E o que é pior, para mim, como profissional de marketing há mais de 40 anos, é que um dos principais responsáveis por essa inadequação é o marketing.

Um pouco de história para entender meu ponto de vista. Quando se estuda a evolução do marketing nas empresas, aprende-se que essa se orienta inicialmente para produto e, mais tarde, para vendas. Aí surge um momento mágico na história do mareketing, onde se quebra esse paradigma e os gestores se dão conta que, antes de olhar para dentro, as empresas devem olhar para fora, de forma a entender as necessidades e desejos dos consumidores. É a chamada orientação para o mercado que é determinante na forma que as empresas irão pensar e agir a partir daquele momento,colocando o cliente no centro do processo.

Essa centralidade, como a própria orientação sugere, faz com que as empresas se movam cada vez mais para o entendimento e a busca da satisfação do consumidor. Isso só fez evoluir ao longo do tempo. As empresas passaram a entender que existem clientes que interessam mais que outros, e cada vez mais passamos a nos aprofundar na forma de pensar e agir daquele que estava no centro dos movimentos empresariais  a ponto de hoje podermos entender e atender individualmente cada cliente.

Ao fazer isso, as empresas acabaram caindo no que o prof. Paulo C. Motta, em 1987, pasmem, denominou de metáfora da soberania do consumidor (e suas implicações para o conceito de marketing). Esse texto icônico parece que não chegou a ser lido pelos gestores da área, ou, se foi, não foi compreendido. Nele, o autor expõe que, ao contrário do que se pensa, não há uma soberania do consumidor. Mais, ele diz que não deve haver uma soberania, nem do consumidor , nem da empresa (o que levaria à consagrada miopia em marketing) e que, ao gerarmos uma soberania, estamos criando uma distorção que terá implicações sérias para o conceito de marketing.

Uma dessas distorções é que olhar para fora enfraqueceu o olhar para dentro. Os gestores deixaram de pensar a empresa ou passaram a fazê-lo de uma forma limitada, o que, naturalmente, tem consequências. Interessante destacar que até o consagrado P. Kotler, deu pouca importância para essa questão, embora ele mesmo tenho dito no início dos anos 2000 que o marketing interno deveria preceder o marketing externo. Curioso é que só agora em 2024 o autor irá lançar, no Brasil,  seu novo livro Marketing H2H - a jornada para o marketing human to human. Um pouco atrasado, não?

Se tivéssemos dado atenção para essa questão interna o marketing já teria se aproximado bem mais da área de RH, algo que pouco ou nada ocorreu. O marketing concentrou-se  na satisfação do consumidor, em sua experiência com a marca, mas esqueceu de pensar que a experiência muitas vezes não vem só do contato com o produto. Esqueceu de entender a qualidade de vida no trabalho e o impacto dela na busca pela satisfação do consumidor. E cuidado, pois  isso não é "apenas"criar uma frase bonita para chamar de propósito.

Hoje constatamos que as novas gerações ficam pouco tempo nas empresas, ao contrário do comportamento dos baby boomers, e nossa tendência é criticá-los, denominando-os de impacientes, pouco resilientes, com baixa maturidade, que não sabem lidar com frustração.

Será? Mas o que, exatamente, as empresas fazem para tornar o trabalho de seus funcionários uma experiência memorável? E atenção, isso é bem maior também do que criar uma sala de jogos na empresa ou permitir levar os pets para o trabalho.

Para mim fica claro que os gestores focaram demais no cliente e perderam a capacidade de pensar de uma forma mais ampla. Foram engolidos por esse dia a dia orientado e cada vez mais dinâmico e veloz, perdendo a capacidade de enxergar as mudanças que estavam acontecendo no mundo e os impactos delas além do consumidor.

Para não parecer que estou só criticando, aponto um caminho. Imagino que os gestores de marketing, que quiserem ter sucesso no mundo de hoje, devem ter a capacidade de evitar simplificações, como a da centralidade e devem se jogar de cabeça na complexidade, buscando internalizar isso nas empresas.

Não é um processo fácil, mas, para quem gosta de desafios, esse é bem instigante.

E, para ser bem sincero, e não encerrar essa questão, pois ela exige uma reflexão profunda, talvez o marketing não seja o único culpado. Talvez existam outros mordomos para dividir a responsabilidade dessa situação.

Max Lacher é consultor, palestrante, gestor Comercial e de Informação e pesquisador de mercado.

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