A urna, a cabeça do juiz e o tiro no pé

Por Iraguassu Farias, para Coletiva.net

Tempos difíceis para o exercício da liberdade de imprensa. Um ditado popular antigo - de antes das urnas eletrônicas -, dizia: "De urna de votação e de cabeça de juiz, nunca se sabe. Pode sair qualquer coisa". Se não era exatamente assim, era parecido.

Pois uma deputada do Tocantins acionou a justiça estadual contra o site Diário do Centro do Mundo, também conhecido como DCM, sobre matéria que relatava supostas práticas nada republicanas em relação a três cidades daquele estado, onde uma banda musical apresentara-se e teria gerado a ela obtenção espúria de recursos.

Aqui um corte: não se noticia até quando, se antes ou ainda como deputada estadual, ela foi empresária de tal grupo musical. Também estranha o fato de que a mesma era investigada pelo Ministério Público daquele estado com relação a este episódio, portanto, não era uma típica fake news ou poderia ser caracterizada como calúnia. Porque o envolvimento daquele órgão? Porque a mesma deputada havia, anteriormente, enviado recursos de emendas parlamentares - dinheiro público, portanto, para as mesmas três cidades.

Vou desconsiderar aqui o viés politico do DCM, bem como o partido e as convicções políticas da deputada, porque isto não vem ao caso. E o que aconteceu? O judiciário daquele estado deu provimento ao pleito da deputada, que, como qualquer pessoa que se julgue ofendida, buscou a justiça e teve vitória.

E na inicial, pede a retirada do ar da matéria que lhe ofendia. Na sentença, o judiciário decide pela retirada da reportagem, mas não localiza o responsável legal pelo site no endereço, que era o primeiro, de quando o site começou a funcionar. E um detalhe: a mesma juíza cravou "sigilo" no processo.

Não se sabe se o site foi procurado por edital. Aparentemente, não. Lembram-se de ler em jornais, na seção "publicidade legal" o "saibam quantos virem esta publicação que fulano de tal, que encontra-se em lugar incerto e não sabido...."? Pois bem, é o recurso que a justiça usa quando não consegue citar o acusado no endereço certo, que é de conta do acusador informar (pasmem...muitas vezes, deputados federais e pastores conhecidíssimos não conseguem ser citados por oficiais de justiça, mas esta é outra história). 

E sem a citação, em tese, o processo não poderia avançar. Em não conseguindo citar o DCM para retirada da matéria, a juíza determina a retirada do domínio do ar e ele não consegue mais publicar nada. No momento em que escrevo, dá-se conta que, diante da pressão das entidades jornalísticas e mesmo da repercussão no mundo jurídico, a juíza teria reconsiderado a decisão.

Relatado isto, fica a pergunta: a liberdade de imprensa, preceito constitucional inatacável, existiu neste caso? Afinal, ele é válido ou não? Poderia a juíza ter decidido desta forma, de modo inconstitucional? O sigilo do processo foi adequado? Pessoas públicas, como políticos, têm este direito? Não teria sido justo manter tudo e aplicar-se penalidades previstas, caso houvesse verdadeiro atentado à honra, caso não fosse provado o teor da matéria? Tendo o MP de Tocantins aberto investigação contra a deputada, a repercussão do assunto no site foi criminosa?

São perguntas que me faço frente a isto.

Trabalho num portal de notícias que procura sempre pesquisar, analisar, ouvir todos os lados, ser cuidadoso e isento. Mas fico a imaginar se alguém, por qualquer razão, entendesse criminosa uma pauta por nós elaborada, o Coletiva fosse tirado do ar. Sem saber porque, eis que sigiloso o processo, sem poder se defender, eis que não citado, e por noticiar fato que o próprio Ministério Público estivesse investigando.

O exercício da liberdade de expressão ainda é um conceito que muitos só entendem quando lhe é favorável. E é liberdade de expressão quando não injuriante, não calunioso e não difamador. Este é o limite. Lamentável que aqueles que deveriam ser os primeiros a guardarem esta premissa constitucional sejam os primeiros a descumprirem tal. Triste Justiça!

Não transito por prejuízos que a decisão acarreta. Os econômicos, tampouco importam. O site não deveria voltar ao ar para continuar sobrevivendo, para ter suas receitas asseguradas, senão porque não foi feita justiça neste caso. Pelo menos não até aqui.

E por fim, quando falo em tiro no pé, fico espantado com a estultice de ambos, juíza e deputada: a segunda, por querer que o assunto não tivesse ampla publicidade, entra com a ação (e reforçou o pedido quando não conseguiam citar o DCM, desta feita para retirar o site do ar e não apenas a matéria), e a primeira por desconsiderar absurdamente a liberdade de imprensa e de opinião, e no afã de atender a reclamante, criou mais publicidade ainda ao assunto.

Ou seja, se queriam brecar o alcance da matéria, obtiveram o efeito contrário, pois agora, em face da amplitude da repercussão em toda a mídia nacional, todos sabem quem é Janad Valcari, deputada do Tocantins, sobre o que ela é investigada, de suas vinculação com o Barões da Pisadinha, e também quem é a juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço, da 4ª Vara Cível da Comarca de Palmas-TO, que entre seus pares, deve estar causando certo constrangimento. Poderiam ter ficado sem isto. Mas deram tiro no pé.

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